Mudanças disruptivas, apesar de necessárias, podem não só trazer um pesado custo de adaptação ao meio empresarial, como também gerar futuras contendas com os Fiscos.
Parodiando a frase de um famoso personagem fictício, definitivamente pode-se olhar para o atual momento da seara tributária brasileira e concluir pela aplicação da seguinte máxima: “com grandes mudanças vem grandes responsabilidades e grandes custos”.
Após quase uma década de produção legislativa um tanto quanto tímida e errática em termos de regras e modelos de tributação, passamos por um momento ímpar de inovações e quebra de paradigmas.
Durante o ano de 2023, o turbilhão legislativo teve seu início, com a nova legislação de preços de transferência, a alteração do tratamento tributário das subvenções, o novo regime de tributação de ativos no exterior e fundos de investimento, além obviamente da Emenda Constitucional (EC) nº 132.
O ano de 2025 e certamente os próximos serão extremamente desafiadores aos conglomerados empresariais de todos os níveis, seja por conta da necessidade de compreensão e implementação da reforma tributária sobre o consumo, concretizada em boa parte de seus aspectos gerais pela recém-publicada Lei Complementar nº 214, mas que ainda será incensada por resoluções senatoriais, leis complementares e ordinárias, regulamentos e demais atos infralegais necessários a sua plenitude operacional, muitos destes a serem emitidos por um novo órgão suprafederativo (Comitê Gesto do IBS).
Há também projeções para apresentação e possível votação neste ano de projetos relacionados às reformas da tributação da renda, bem como da folha de salários, até por conta de determinação constitucional ainda não cumprida.
Nesse novo e intenso cotidiano, a título de seus custos associados pode-se citar, exemplificativamente, a implantação do novo modelo de preços de transferência (padrão OCDE) introduzido pela Lei nº 14.596 e regulamentado pela Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.161/2023, ainda com muitas lacunas, demandando intensas pesquisas e trabalhos de análise para aplicação de suas metodologias de apuração, não só por meio dos esforços internos das companhias, mas também pela contratação de robustas assessorias especializadas, em face da gama de informações e documentação suporte necessárias à mensuração de riscos, ativos e funções nas transações com partes relacionadas para futura apresentação em procedimentos fiscalizatórios, que se baseada na experiência internacional tende a gerar um mar de litígios, em face de sua subjetividade.
Ainda na balada do direito tributário internacional, eis que surge a introdução parcial no Brasil no Pillar 2 (Imposto Mínimo Global de 15%) por meio da Lei nº 15.079 e sua controversa e extremamente complexa regulamentação por delegação legislativa através IN RFB nº 2.228. Diz-se parcial pois por momento ela versou sobre um adicional da CSLL, apenas a título da regra GloBE denominada QDMTT, mais voltada aos resultados nacionais de entidades locais controladas por entidades estrangeiras.
Nesta mesma legislação foi determinado ao Poder Executivo a apresentação durante o primeiro semestre deste ano de proposta legislativa para reforma das regras brasileira de TBU com vistas a introduzir uma segunda regra GloBE conhecida como IIR (Income Incluse Rule), cujo escopo é direcionado à captura no Brasil de resultados auferidos no exterior em investimentos detidos por multinacionais brasileiras, cuja tributação efetiva de Imposto de Renda Corporativo na jurisdição de origem tenha se mostrado inferior a 15%, com base no famigerado resultado GloBE, que não é nem o lucro contábil nem o lucro real.
Portanto, mais novos e pesados custos de investimento para se adaptar a mais essa exigência global.
De outra feita tem-se ainda inúmeros projetos em via final de tramitação legislativa como o PL nº 15/2024 que visa instituir programas de conformidade tributária e aduaneira, dispor sobre o conceito de devedor contumaz e as condições para fruição de benefícios fiscais.
Sem dúvidas, todos os movimentos aqui destacados têm por objetivo a modernização, simplificação e racionalização das práticas relacionadas a apuração de tributos ou a proteção da arrecadação nacional, que inegavelmente são valores a serem buscados em prol da tão almejada justiça tributária.
A questão aqui não é discutir o conteúdo de todas essas alterações e suas premências, mas como as empresas conseguirão lidar com elas em um espaço de reduzido, tendo de arcar com consideráveis ônus sistêmicos, de treinamento e compliance.
Neste contexto, há por exemplo mudanças que apesar de desenvolvidas para atuar como ferramenta no combate à sonegação fiscal, como o tão comentado “split payment”, terão efeitos em outras frentes, alterando até mesmo a forma de como os players realizarão seus negócios em termos de prazo de pagamento ou exigências de adimplência tributária por parte de seus fornecedores, afinal nos novos IBS e CBS as operações serão tributadas por regime de competência, mas o direito a crédito para o alcance da neutralidade tributária almejada para sistema de IVA se realizará apenas com base em suas efetivas liquidações.
Não há como negar que mudanças disruptivas como as aqui brevemente apontadas, apesar de necessárias para tirar o Brasil da obsolescência que permeia parte de sua legislação, podem não só trazer um pesado custo de adaptação ao meio empresarial, como também gerar futuras contendas com os Fiscos justamente pela não homogeneidade dos contribuintes alcançados pelas novas normas e as costumeiras assimetrias interpretativas na aplicação dos novos scripts tributários.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ALESSANDRO BORGES