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TRF-5 DERRUBA ‘QUARENTENA’ E OBRIGA PGFN A FECHAR ACORDO DE TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA COM CONTRIBUINTE

19 de fevereiro de 2025

Período de dois anos está previsto para casos de parcelamentos rescindidos por inadimplência.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) livrou um contribuinte de “quarentena” exigida pela Fazenda Nacional para a realização de nova transação tributária. O período de dois anos estabelecido para casos de empresas com acordos rescindidos por inadimplência foi derrubado por decisão do desembargador Francisco Alves dos Santos Júnior. O precedente é inédito, segundo especialistas.

A decisão liminar beneficia uma empresa que oferece cursos preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e concursos públicos. Ela determina que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) feche acordo com o contribuinte inadimplente e que, até lá, suspenda a cobrança de todas as dívidas tributárias, além de fornecer, se necessário, certidão positiva com efeito de negativa, exceto se houver outro impedimento legal.

A empresa, de João Pessoa, é defendida pela advogada Josiane Ribeiro Minardi, sócia da Minardi, Borges e Föppel Advogados Associados. Segundo ela, em 2021 foi firmado acordo com a Receita Federal para o pagamento de dívidas. Três anos depois, a transação tributária foi rescindida por inadimplência.

Agora, com os débitos inscritos na dívida ativa, a empresa quer um novo acordo, desta vez com a PGFN. Sem sucesso, em razão da quarentena prevista no artigo 18 da Portaria PGFN nº 6.757, de 2022, recorreu à Justiça. Pelo dispositivo, o contribuinte que teve uma negociação rescindida não pode formalizar nova transação tributária por dois anos, ainda que referente a outras dívidas.

Para o desembargador, no entanto, “esse tipo de prazo não pode ser delegado a uma autoridade de terceiro escalão, porque é restritivo de direitos e só quem pode restringir direitos num regime democrático é o legislador, por lei”. E essa lei, acrescenta, tem de ser complementar, cujos requisitos de quórum são mais rígidos do que para aprovação de lei ordinária (processo nº 0801350-37.2025.4.05.0000).

Na decisão, o desembargador ainda critica a carga tributária brasileira. “Se o contribuinte ficou inadimplente em parcelamento anterior, certamente decorreu do insuportável peso da gigantesca carga tributária que sufoca a todos na atualidade do nosso sofrido país”, diz.

O precedente ganha importância diante do esforço da União de elevar a arrecadação federal. Até outubro de 2024, de acordo com a PGFN, entraram nos cofres públicos R$ 27,8 bilhões por meio de acordos de transação tributária – mais da metade de todo o total de dívidas tributárias recuperadas pelo órgão, que foi de R$ 49,2 bilhões no mesmo período.

Josiane Minardi destaca que há empresas em situação idêntica que podem se beneficiar desse argumento. “O desembargador decidiu, com razão, contra a portaria. Isso quer dizer que o contribuinte pode aderir a outro parcelamento quando quiser, não precisa esperar tanto tempo”, afirma.

Matheus Bueno, do Bueno Tax Lawyers, destaca que o precedente é importante, apesar de se basear em um caso concreto. “As transações vieram como substitutos para os antigos Refis, que passavam a impressão ruim de premiar maus pagadores”, diz. “A solução foi a transação, que analisa a capacidade de pagamento e só se dá o benefício para quem realmente precisa. E uma das formas de evitar o abuso seria não dar para quem rescinde”, explica.

O problema, segundo Renato Peluzo, sócio do TAGD advogados, é que esse tipo de punição parte da premissa de que todos os contribuintes que tiveram parcelamento anterior rescindido agiram de má-fé. “Ocorre que, muitas vezes, a própria procuradoria deixa de analisar a situação real do contribuinte, fazendo com que ele não consiga arcar com as parcelas exigidas, o que demonstra na realidade uma violação à isonomia”, diz.

De acordo com Peluzo, é a própria objetividade da regra que impede o tratamento isonômico. “O objetivo da transação é permitir que o contribuinte possa adimplir com seus débitos de acordo com a capacidade de pagamento, devendo ser analisado o cenário atual com o objetivo de garantir a manutenção das atividades dos contribuintes e a manutenção da arrecadação em favor do erário público.”

Para Leonardo Varella Giannetti, tributarista do Rolim Goulart Cardoso, apesar do precedente ser positivo para os contribuintes, ele é raro e de difícil replicação. “A PGFN possui argumentos para defender a proporcionalidade e razoabilidade da medida como salvaguarda de eventuais abusos, especialmente por devedores que reiteradamente não conseguem cumprir os acordos e parcelamentos, por qualquer razão”, afirma.

A questão da legalidade levantada pelo desembargador na decisão, acrescenta o advogado, “soa estranha, a princípio”, pois o teor do artigo 18 da portaria da PGFN é “a repetição da vedação prevista no artigo 4º, parágrafo 4, da Lei nº 13.988/20”, que disciplina a transação tributária.

No TRF da 2ª Região, o mesmo pedido feito por outro contribuinte foi negado pelo desembargador Luiz Antonio Soares. Ele entendeu que não cabe “ao Poder Judiciário, atuar como legislador positivo, criando benefício não previsto no ordenamento tributário, o que, além de não se coadunar com o princípio da legalidade tributária estrita, também colidiria com o princípio da separação de poderes” (processo nº 5004998-88.2024.4.02.0000).

O TRF da 4ª Região adotou o mesmo entendimento para negar o pedido de outra empresa. Em decisão da 1ª Turma, pontua que “é prerrogativa da Fazenda Pública decidir os critérios e condições para adesão a programa de transação” (processo nº 5003903-32.2025.4.04.0000).

Diante das dificuldades jurídicas, Leonardo Varella Giannetti aconselha o contribuinte a sustentar sua argumentação à Justiça em particularidades fáticas. “O devedor deve fazer um esforço argumentativo, apoiando em fortes indícios de sua situação financeira, para sensibilizar o juiz a afastar, no caso concreto, a regra de vedação em razão de um cenário particular e específico de proporcionalidade.”

Em nota, a PGFN diz que reafirma seu compromisso de fazer valer a determinação da Lei nº 13.988, que estipula a quarentena de dois anos. “A intenção do legislador é evidente no sentido de destacar a seriedade dos acordos resolutivos de litígios firmados entre o devedor e a administração pública”, afirma.  

FONTE:  VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI — DE SÃO PAULO

 

 

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