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DO REGIME JURÍDICO DA CBS E DO IBS

19 de fevereiro de 2025

A reforma tributária do consumo é realidade pronta e aprovada há mais de ano e segue instigando os juristas com novidades nunca antes vistas. Definir o regime jurídico da CBS e do IBS está entre as novidades e poderia ser apenas um ensaio para fins acadêmicos, se não estivesse na sua resposta a chave para desbravar o intrigante quebra-cabeça chamado: o novo contencioso da reforma. É neste assunto que pretendo chegar, mas para traçar um raciocínio indutivo, partiremos do regime jurídico da CBS e do IBS.

O artigo 149-B da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023, estabelece a base do regime jurídico da CBS e do IBS apontando, à primeira vista, que serão idênticos, à medida que devem observar as mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; imunidades; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; regras de não cumulatividade e de creditamento.

O regime jurídico, vale dizer, o feixe de normas aplicáveis [1], torna-se quase idêntico quando a norma é lida em conjunto com o disposto no § 16 do artigo 195 da CF, que prevê algumas regras específicas ao IBS, em relação à sujeição ativa, proibição de inclusão do tributo na base de cálculo de outros tributos, competência do Distrito Federal e impacto do cashback para cálculo dos limites de despesas[2].

Além disso, como a CBS é tributo federal, toda sua legislação ficará a cargo do Congresso Nacional, enquanto o IBS será baseado em lei nacional, votada pelo Congresso, com a ressalva de que todos os entes subnacionais (estados, DF e municípios) poderão legislar sobre as alíquotas incidentes em suas respectivas áreas de competência. Dito isso, teremos “pela primeira vez um imposto unificado entre todas as esferas tributantes, algo impensável antes da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019” [3].

Não obstante o regime jurídico quase idêntico da CBS e do IBS, tratam-se, a priori, de espécies tributárias diferentes. Como sabemos, tributo é gênero que comporta várias espécies e, conforme a explicação de Luís Eduardo Schoueri, agrupar tudo num único gênero “não é irrelevante em matéria jurídica, já que, ao identificarem-se diversas figuras como pertencentes a um gênero, afirma-se que todas elas possuem algo em comum, ou melhor, um regime jurídico único” [4].

Quase identidade

Já que pertencem ao mesmo gênero, a eles serão aplicados os mesmos conceitos quanto a fato gerador, lançamento, base de cálculo, entre outros. Por outro lado, apresentarão peculiaridades, à medida que os impostos são tributos não vinculados a uma atividade estatal [5] e que não podem ter destinação específica, enquanto as contribuições devem ser destinadas aos fins que foram propostas.

Além disso, o fato gerador dos impostos deve refletir uma manifestação de capacidade contributiva. Vale dizer, ao contrário do que ocorre com as contribuições, não é possível que a hipótese tributária de um imposto seja algo que não possui conteúdo econômico. Assim, se um imposto é cobrado sobre bens e serviços, esses bens e serviços devem necessariamente indicar que aquele sujeito passivo tem uma determinada riqueza, que reflete na sua capacidade contributiva. Ou seja, existe ali um fenômeno econômico que serve como índice da capacidade contributiva [6].

Portanto, ainda que a Constituição tenha admitido que a CBS e o IBS devem, necessariamente, observar as mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; imunidades; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; regras de não cumulatividade e de creditamento, o fato é que cada espécie tributária recebe um tratamento jurídico diferenciado, e é essa a razão pela qual classificam-se os tributos em espécies [7].

Assim, é possível dizer que a CBS e o IBS, apesar de irmãos gêmeos, não são o mesmo tributo, pois,

– apresentam fundamentos jurídicos distintos (artigo 156-A e 195, V, da Constituição);

– apresentam capacidade tributária ativa distinta – a União para a CBS e estados e municípios para o IBS;

– alíquotas diferentes.

Inclusive, trata-se de espécies tributárias distintas, eis que a CBS é um contribuição à seguridade social com destinação, portanto, específica e o IBS é um impostos [8].

Apresentando entendimento divergente, o professor Renato Lopes Becho defende que, na verdade, CBS e IBS são dois impostos, com denominações diferentes, já que “sistematicamente, têm havido desvinculação das receitas, o que acaba por fragilizar a distinção. (…) a destinação do produto da arrecadação, assim como o nomen juris, é, nos termos do artigo 4º do CTN, irrelevante para a determinação de sua natureza tributária” [9].

Uma possível solução para apaziguar aqueles que entendem que não são o mesmo tributo, dos que entendem que são, é aceitar a definição proposta por Hugo de Brito Machado, no sentido que todo tributo tem seu regime jurídico, contudo, alguns tributos existem em situações especiais e, assim, possuem um regime jurídico especial [10].

Talvez, seja justamente essa a situação da CBS e do IBS no cenário tributário. Independentemente de serem classificados, ou não, como mesmo tributo, devemos aceitar que existe um regime jurídico especial a eles aplicável, e que precisa considerar que a Constituição determina que diversas regras devem ser iguais para os dois tributos, em que pese desafiarem competências tributárias diversas.

De todo modo, a quase identidade entre os regimes jurídicos da CBS e do IBS, certamente, auxilia na aplicação dos tributos [11], a dificuldade posta diz respeito à definição dos órgãos competentes para julgamento das lides a eles relacionadas, já que a Constituição prevê a competência federal do CBS e a competência compartilhada entre estados, DF e municípios para o IBS, sem que exista, na estrutura atual, qualquer órgão do Poder Judiciário com competência para julgamento simetricamente alinhada às competências tributárias das novas exações. Nas palavras do professor Renato Lopes Becho, “o ponto sensível reside na potencial dissonância entre normas infralegais e administrativas, v.g., e em decisões administrativas, bem como as judiciais opostas para os dos tributos” [12].

Sem dúvida, a transição para o novo modelo tributário ainda é um desafio complexo, que deve ser enfrentado com cautela diante da existência de diferentes sistemas de contencioso em níveis federal, estadual e municipal. É imprescindível que CBS e IBS tenham contenciosos harmônicos e que o novo imposto também tenha validade junto aos meios adequados de solução de conflitos. Esse, será o ponto de partida da nossa próxima reflexão, trazendo pontos de destaque na Lei Complementar nº 214, de 2025, e no Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024, que merecem nossa atenção frente ao novo contencioso da reforma tributária.

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[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 73.

[2] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 258.

[3] BECHO, Renato Lopes. A Criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, pp. 91-105, p. 91.

[4] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 155.

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 65.

[6] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 203.

[7] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 155.

[8] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 259.

[9] BECHO, Renato Lopes. A Criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, pp. 91-105, p. 94.

[10] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 73.

[11] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 259.

[12] BECHO, Renato Lopes. A Criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, pp. 91-105, p. 103.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR ANA CLAUDIA BORGES DE OLIVEIRA

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