Regulamentação vem um momento em que há uso em massa da IA pelos tribunais.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou regulamentação para o uso da inteligência artificial (IA) generativa pelo Judiciário. A medida estabelece regras para a adoção de ferramentas oferecidas comercialmente, enquanto os tribunais não desenvolverem sistemas próprios, e normas para os modelos autorais. A regulamentação aborda desde as definições e fundamentos para o uso de IA até a categorização de riscos e medidas de governança, supervisão e implementação, além de transparência e segurança dos dados a serem adotadas.
“Havendo uma IA generativa própria, treinada e criada pelo tribunal, os magistrados devem usá-la”, afirmou o conselheiro relator, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que coordenou o grupo de trabalho (GT) no CNJ que elaborou a resolução que regulamenta o tema. “Mas enquanto não houver, os magistrados poderão usar as ferramentas comerciais, atendidas as condições que estão no artigo 19 da resolução”, explicou.
Para o uso de modelos comerciais de IA generativa, a nova resolução estabelece requisitos como: receber capacitação contínua dos usuários; ser usada em caráter auxiliar e complementar nas decisões judiciais; estrita observância das normas de proteção de dados e propriedade intelectual pelas empresas fornecedoras; proibição do uso de dados sigilosos em sistemas externos sem garantias de segurança; e vedação do uso dessas tecnologias para atividades consideradas de alto risco.
Composto por 30 especialistas, o grupo de trabalho elaborou o texto após um ano de discussões. A regulamentação aprovada modifica a Resolução nº 332, de 2020, que regulava o uso de inteligência artificial, mas não atingia o modelo generativo. O documento aprovado prevê também a criação do Comitê Nacional de Inteligência Artificial do Judiciário. O objetivo seria acompanhar e fiscalizar os modelos de IA generativa usados pelos tribunais em todo país. Segundo um relatório do CNJ, publicado no ano passado, existiam pelo menos 140 projetos de IA desenvolvidos ou em desenvolvimento no Judiciário brasileiro.
“O comitê é justamente para que se possa operar com mais velocidade, com mais especialistas, inclusive com a participação de pessoas da sociedade civil”, disse Bandeira, que se despede do cargo de conselheiro do CNJ. O texto aprovado entra em vigor após 120 dias, prazo que os conselheiros têm para apontar a necessidade de modificações.
“Não é fácil disciplinar inteligência artificial pelas complexibilidades técnicas e pela velocidade da transformação na área. Mas o conselho entendeu, majoritariamente, que vale uma tentativa — para usar um termo do ministro Mauro Campbell — para parametrizar essa matéria”, disse o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, ao colocar a norma em votação.
Na avaliação de Matheus Puppe, advogado e especialista em inteligência artificial, essa regulamentação vem um momento em que há uso em massa da IA pelos tribunais. Apesar de defender a regulação, ele acredita que o texto não deveria ser muito rígido, ao passo que estabelece proibições. “A regulação deve ser mais uma questão da responsabilidade sobre quem está usando”, afirma.
De acordo com ele, existem certas obrigações, certos princípios que necessitam que se imponham alguns limites do uso, obviamente, com sanções no caso de descumprimento, como é o caso da própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). “Mas eu acredito numa regulação da IA muito mais flexível, mais no sentido de autorregulação regulada.”
Já Berlinque Cantelmo, advogado sócio do RCA Advogados, presidente da Comissão de Segurança Pública da seccional mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OABMG), considera a regulação da inteligência artificial generativa necessária por que os modelos do mercado podem apresentar falhas ao fornecer informações que nem sempre são condizentes com a realidade jurisprudencial.
“É evidente que, ao implementar as tecnologias proporcionadas pela inteligência artificial, o Conselho Nacional de Justiça busca não apenas estabelecer um senso de responsabilidade entre os servidores, mas também promover uma mudança cultural”, frisa Cantelmo. Ele ressalta que o uso dessas ferramentas pode ser um aliado na busca por maior eficiência e celeridade na tramitação de processos e outras atividades do Judiciário.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR DAVI VITTORAZZI, VALOR — BRASÍLIA