Espera-se que o processo de regulamentação seja conduzido com a participação ativa de stakeholders do setor privado e da sociedade civil.
A recente publicação da Lei de Bioinsumos (Lei nº 15.070/2024) representa um marco para a agropecuária e para a indústria no Brasil. Fruto de uma ampla discussão entre órgãos reguladores, Congresso Nacional e setor privado, a nova lei promove segurança jurídica para a produção e uso de bioinsumos no país e estabelece um cenário favorável à inovação no setor, reforçando o protagonismo nacional em um mercado estratégico e em expansão. Apesar do resultado importante, contudo, ainda há um caminho a ser percorrido para a plena efetividade da lei.
Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da CropLife Brasil, o mercado de bioinsumos no país tem crescido a uma média anual de 21%, superando os R$ 5 bilhões na safra 2023/2024. Globalmente, projeta-se que esse mercado continuará a crescer entre 13% e 14% ao ano até 2032, alcançando cerca de US$ 45 bilhões, o que corresponde a três vezes o valor atual.
Antes da nova lei, os bioinsumos eram regulados por legislações originalmente concebidas para produtos químicos, sintéticos ou minerais, como as leis de agrotóxicos e fertilizantes, além de normativas infralegais que tentavam adaptar o regime jurídico existente às particularidades dos bioinsumos. O desafio era significativo em muitas frentes. Um exemplo é o que acontecia com os produtos de dupla aptidão. A natureza biológica desses produtos por vezes confere múltiplas aplicações potenciais, o que gerava seu possível enquadramento em categorias regulatórias diversas e estanques. Obrigando o produtor a cumprir legislações variadas e não harmônicas para que pudesse explorar todas as potencialidades do seu produto, gerando uma complexidade injustificável. Ao unificar a regulação, preenche diversas lacunas do setor, oferecendo um marco regulatório mais apropriado.
Outro avanço da nova lei é a racionalização do processo de registro de bioinsumos, que ficará sob a competência exclusiva do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Este era um dos gargalos do modelo anterior. Os bioinsumos caracterizados como agrotóxicos, por exemplo, deviam ser submetidos a um longo processo de avaliação tripartite, que envolvia, além do Mapa, a Anvisa e o Ibama, cada um operando de forma independente. Com a Lei de Bioinsumos, ficou estabelecido que esses órgãos só deverão se manifestar quando se tratar do registro de produtos novos para controle fitossanitário, em momento e forma que ainda serão definidos.
Merece também especial destaque a autorização da produção de bioinsumos para uso próprio, conhecida como produção on farm. Esse modelo permite que o produtor rural produza e multiplique produtos biológicos para seu próprio uso, com um cadastramento simplificado da unidade produtiva. Os bioinsumos gerados não são sujeitos a registro perante o Mapa, mas também não podem ser comercializados. Ao estabelecer regras para a produção on farm, como a necessidade de boas práticas, a lei pacifica a questão e define os limites para uma atividade que já é uma realidade no país.
O regime jurídico anterior, também estabeleceu regras de transição até a aprovação de sua regulamentação. Três normas merecem destaque. A primeira é a autorização para a continuidade de uso de bioinsumos que não tinham regulamentação própria até a publicação de norma específica, o que proporciona uma solução para produtos que, até então, não se enquadravam nas categorias regulatórias existentes; a segunda é que registros concedidos antes da publicação da lei foram mantidos até a sua data de validade, e as regulamentações anteriores permanecem aplicáveis para novos registros, até que a regulamentação específica da Lei de Bioinsumos seja definida; e a terceira foi a garantia de continuidade de produção de bioinsumos para uso próprio até que a regulamentação e a instrução de boas práticas sejam publicadas.
Embora a publicação da lei seja um marco importante, ainda há desafios pela frente para garantir sua plena efetividade. Para assegurar o melhor tratamento técnico e a flexibilidade necessária para que a lei não se torne rapidamente obsoleta, aspectos relevantes foram deixados para regulamentação posterior. No caso do registro de bioinsumos, por exemplo, questões como o papel da Anvisa e do Ibama no processo, bem como critérios de classificação, especificação e parâmetros mínimos para os produtos precisam ser definidos, considerando as finalidades e categorias de cada bioinsumo. Adicionalmente, temas relacionados à importação, exportação, comercialização, uso, destinação de resíduos e embalagens, rotulagem e fiscalização também exigirão regulamentação.
Considerando a relevância dos temas a serem regulamentados e a articulação que viabilizou a criação da lei, espera-se que o processo de regulamentação seja conduzido com a participação ativa de stakeholders do setor privado e da sociedade civil. Essa abordagem contribuirá para a manutenção do ideal de racionalização das exigências regulatórias estabelecidas para a categoria. Com isso, pretende-se que o Brasil permaneça estrategicamente posicionado no mercado global de bioinsumos, aproveitando a vasta riqueza de sua biodiversidade e impulsionando a inovação no setor.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR JOÃO EMMANUEL CORDEIRO LIMA