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STJ JULGA VALIDADE DE DESÁGIO PARA CREDOR TRABALHISTA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

14 de fevereiro de 2025

Caso em análise é o da Concreserv, que ofereceu desconto de 90% para os créditos.

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar, pela primeira vez, se é possível a aplicação de deságio com criação de subclasse entre credores trabalhistas. O caso em análise é o da reestruturação da Concreserv, que aplicou desconto de 90% sobre os créditos de trabalhadores que têm mais de 25 salários-mínimos (R$ 38 mil) a receber. O desconto só seria aplicado para o que exceder esse valor, de modo que todos receberiam, pelo menos, R$ 38 mil.

O relator da ação, ministro Antonio Carlos Ferreira, votou, nesta semana, pelo não conhecimento do recurso da empresa, mantendo acórdão do Tribunal de Justiça do Estado (TJSP) que declarou nula a cláusula. Já o ministro João Otávio de Noronha divergiu, entendendo ser legítima a divisão de pagamento aplicada porque foi adotado critério objetivo. O julgamento foi suspenso por pedido de vista de Raul Araújo.

Até agora há apenas precedente colegiado da 3ª Turma sobre o assunto. No ano passado, os ministros, por unanimidade, permitiram a aplicação de deságio na classe trabalhista, desde que os valores fossem pagos em até um ano. Mas se o prazo para o pagamento for prorrogado para até três anos, a dívida com os trabalhadores deve ser quitada integralmente (REsp 2110428).

A decisão a ser tomada pela 4ª Turma pode uniformizar o entendimento da 2ª Seção, que analisa as questões de direito privado. Segundo advogados, os tribunais estaduais têm admitido a criação de subclasses, mais frequentemente na classe III, dos quirografários (sem garantia).

Tornou-se comum, inclusive, aplicar o tratamento diferenciado na classe trabalhista para créditos acima de 150 salários-mínimos (R$ 227 mil), normalmente relacionados a honorários advocatícios e salários de executivos. A partir desse valor, passam a ser considerados quirografários.

“Mesmo antes da reforma da lei, os deságios já eram aplicados” — Claudio Montoro

Os ministros analisam três recursos da Concreserv contra decisão de 2021 do TJSP. Os desembargadores declararam nula a cláusula do plano por julgarem abusivo o desconto aplicado, além de ferir a isonomia entre credores. Já a empresa alega que o Judiciário não pode interferir no plano aprovado pela assembleia geral de credores (AGC), que é soberana.

A recuperação judicial da Concreserv, empresa que participou da construção da Arena Corinthians e de obras do metrô de São Paulo, só não foi encerrada por conta desse recurso pendente no STJ. Ela entrou com o pedido de reestruturação no ano de 2019 e o plano foi aprovado em 2020. Até então, pagou R$ 7 milhões de uma dívida trabalhista de R$ 34 milhões, pois conseguiram, no STJ, efeito suspensivo da decisão do TJSP. Pagaram, portanto, até o limite de 25 salários. O passivo total era de R$ 220 milhões.

Segundo a administração judicial do caso, feita pela AJ Ruiz, dos quase 1,5 mil credores trabalhistas, 315 (o equivalente a 78,5%) têm créditos acima do limite de 25 salários mínimos, o que totaliza R$ 16,9 milhões. Esse é o valor que a empresa terá de pagar caso a decisão do STJ seja desfavorável. Dos 315, cinco recorreram do plano de recuperação judicial homologado pelo juízo de primeiro grau.

Em sustentação oral no STJ, o advogado e ex-juiz Daniel Carnio Costa, sócio do Daniel Carnio Advogados, defendeu ser possível a aplicação de deságio para os créditos trabalhistas desde que o pagamento seja feito em até um ano. E que, no caso, o critério adotado para a criação de subclasse foi objetivo (25 salários-mínimos), respeitando, portanto, a homogeneidade entre os credores. “Ninguém teve seus direitos anulados, porque todo mundo recebeu valores substanciais”, afirmou.

Ressaltou que a jurisprudência do STJ é de que não pode o Judiciário analisar aspectos econômicos e financeiros do plano. “Se o deságio é grande ou pouco, se o prazo é pequeno ou muito, é uma questão que deve ser respondida pelos credores, respeitando os princípios majoritários conforme diversos julgamentos desta turma”, acrescentou Carnio Costa (REsp 2107582, REsp 2039036 e REsp 2021576).

O relator do caso, Antonio Carlos Ferreira, entendeu, em seu voto, que o caso exigiria a reanálise de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. Mas destacou que os créditos trabalhistas têm natureza privilegiada. “Não há heterogeneidade suficiente para justificar essa discriminação entre credores que possuem, em essência, créditos da mesma natureza e finalidade.”

O ministro João Otávio de Noronha foi a favor da empresa, por entender que não cabe ao Judiciário interferir no conteúdo econômico do plano de recuperação. A ministra Isabel Galotti, que ainda não votou, deu a entender que seria contra a empresa, pois o critério adotado seria anti-isonômico.

Igor Urbano, do Falletti Advogados, que representa uma das credoras trabalhistas no STJ, entende que o deságio aplicado é “absurdo e ilegal”. “Representa verdadeiro e indevido perdão da dívida e supressão de direitos, sem qualquer justificativa plausível”, afirma. Sua cliente, que tem crédito de R$ 62 mil, trabalhou oito anos na empresa. Mas existe um caso de credor que tem direito a R$ 477 mil e só receberá R$ 43,9 mil se a cláusula for mantida.

Os administradores judiciais do caso, Joice e Eduardo Ruiz, do AJ Ruiz Administração Judicial, dizem que a empresa vem cumprindo o plano aprovado. De acordo com eles, a atualização da Lei de Recuperação Judicial e Falência, a nº 11.101/2005, feita pela Lei nº 14.112/2020, não veda o deságio se o pagamento ocorrer em até um ano.

O problema é a criação de subclasse com critérios subjetivos. “Mas se o critério objetivo foi tão somente o valor do crédito, sem dar outra opção para esse credor, aí sim, pode ser um problema”, afirma Eduardo Ruiz. Eles deram parecer favorável pela homologação do plano.

César Peres, sócio do César Peres Dulac Müller Advogados, que representa a Concreserv, diz que busca, no STJ, o “reconhecimento da jurisprudência dominante de que há possibilidade de criação de subclasse desde que o critério adotado for objetivo”. “A objetividade está na questão de que todos os trabalhadores receberiam até 25 salários-mínimos”, afirma.

Segundo ele, se o STJ mantiver a decisão do TJSP, o plano provavelmente terá de ser revisto. “A empresa não terá condições de pagar, porque a decisão do tribunal interferiu no plano como um todo. Então possivelmente teremos que convocar nova assembleia para renegociar”, diz.

De acordo com o professor Claudio Montoro, do Insper, mesmo antes da reforma da lei, os deságios na classe trabalhista já eram aplicados. Mas existe uma tendência recente da jurisprudência de evitar a aplicação do desconto. “Depois de 2020, começou muito forte o debate de voltar atrás [para a previsão legal anterior] para buscar uma segurança para o credor trabalhista”, afirma Montoro, citando o preceito da indisponibilidade de direitos trabalhistas.

Para ele, é possível a criação de subclasse, desde que não prejudique um credor específico. “Como é o caso do credor colaborador, que continua prestando serviços para a empresa. Há a possibilidade de ter benefícios no recebimento do crédito, mas isso é uma opção a que todos os credores podem aderir”, diz. “A questão é que a subclasse na classe quirografária e de microempresas, é um benefício. A única subclasse em que há prejuízo é a trabalhista.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO

 

 

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