Há, por ora, apenas dois votos, um a favor e outro contra.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou ontem o julgamento sobre a possibilidade de serem estabelecidos critérios objetivos para a concessão do benefício da justiça gratuita. A sessão, porém, foi suspensa por pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. Há, por ora, dois votos, um a favor e outro contra. O prazo para o processo voltar à pauta é de até 90 dias.
O relator, ministro Og Fernandes, manteve seu voto, proferido em 2023, quando se iniciou o julgamento. É contra a fixação de parâmetros exclusivamente objetivos por falta de previsão legal. O voto divergente foi apresentado ontem, pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Segundo advogados, o benefício da gratuidade no acesso à Justiça hoje pode ser concedido apenas com uma declaração de hipossuficiência. E cabe à parte contrária provar que quem solicitou consegue arcar com as custas processuais e honorários de sucumbência, devidos à parte vencedora. A concessão do benefício, portanto, é feita caso a caso.
O tema já foi analisado em 2021 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros, por maioria, invalidaram dispositivos incluídos pela reforma trabalhista (Lei nº 13.46, de 2017) que restringiam o acesso ao benefício, como a determinação de que o beneficiário pagasse as custas se houvesse condições financeiras. Para a maioria, a previsão violava a Constituição Federal (ADI 5766).
O julgamento no STJ ocorre sob o rito de recursos repetitivos, ou seja, a decisão valerá para todos os casos relacionados no Judiciário. Existem centenas de processos que discutem o tema suspensos até que haja uma definição. Em análise, estão três recursos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra acórdãos do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) que concederam o benefício (Tema 1178).
O tema interessa particularmente ao INSS, pois a maioria dos beneficiários obtém a gratuidade em ações movidas contra o órgão e ele deixa de receber os honorários. Isso porque o valor da condenação fica suspenso por cinco anos. Depois desse período, é feita a reanálise econômico-financeira da parte. Se ela ainda não puder arcar com as custas, o débito prescreve.
Nos autos, o INSS defende a aplicação de critérios objetivos para a gratuidade, prevista no artigo 99 do Código de Processo Civil (CPC). Alega que é preciso uniformizar a jurisprudência do STJ, pois tem se adotado, ao menos, cinco critérios diferentes, como a declaração de hipossuficiência, limite mínimo de isenção do Imposto de Renda (IRPF) e salário-mínimo ideal fixado pelo Dieese.
No voto, o relator Og Fernandes disse que “a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser usada em caráter meramente suplementar, desde que não sirva como fundamento exclusivo para indeferimento do pedido de gratuidade”.
Para ele, o juiz deve analisar as condições econômicas “com base nas peculiaridades do caso concreto considerando não apenas o processo judicial como um todo, mas eventuais impactos financeiros da diligência processual”.
Já o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva entende que é possível a fixação dos parâmetros. Levou em conta que “o alargamento da porta de entrada ao sistema de justiça acaba por estreitar excessivamente a porta de saída, retardando em demasia ou dificultando resolução dos conflitos”. Sugeriu alguns critérios, que podem ser flexibilizados a depender do processo, como verificar se a pessoa é beneficiária de programa social do governo federal ou estar representada pela Defensoria Pública.
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que é parte interessada na ação, afirmou que “a imposição de requisitos rígidos para concessão de gratuidade na justiça pode restringir indevidamente o direito de pessoas em situação de vulnerabilidade de recorrerem ao Judiciário”.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO