No caso, encerramento da recuperação judicial ainda não transitou em julgado.
O Grupo Itaiquara Alimentos S/A, que pediu recuperação judicial em outubro de 2019, recorre de uma sentença de março deste ano que determinou o encerramento do processo, em segredo de Justiça. A empresa tenta a reabertura do caso para vender uma unidade produtiva isolada (UPI) e obter autorização para um financiamento, chamado de “DIP” (debtor-in-possession ou devedor em posse, na tradução literal). O recurso deve ser analisado hoje pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
As operações podem ajudar a empresa a se soerguer, segundo advogados. O plano de reestruturação, aprovado em 2021, reduziu a dívida de cerca de R$ 750 milhões em aproximadamente 35% a 40%. De modo que os valores a receber com o empréstimo, de R$ 85 milhões, e com a venda de ativos, avaliados em R$ 480 milhões, faria a dívida caber no caixa da empresa.
Para isso, porém, é preciso uma nova assembleia para os credores votarem o aditivo ao plano de recuperação no qual constam essas mudanças. O intuito do grupo é ainda aderir ao novo programa de regularização fiscal com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), o Acordo Paulista, lançado em outubro.
Segundo a Itaiquara, se as propostas forem aprovadas, haveria a antecipação do pagamento das dívidas, além da quitação da primeira parcela da transação fiscal individual feita com a União.
No recurso, a companhia diz que já reestruturou o passivo financeiro com fornecedores, concursais e extraconcursais, assim como o trabalhista. “O Grupo Itaiquara encontrava-se em fase final de reestruturação, mas necessitando ainda, para seu efetivo reerguimento, da proteção e instrumentos conferidos pelo processo de recuperação judicial. Contudo, o processo foi precocemente encerrado”, diz, em petição enviada ao tribunal.
Com o DIP a ser celebrado junto à Virgo, a empresa afirma que destinaria R$ 38,5 milhões para pagar os credores, R$ 11,2 milhões para quitar acordos trabalhistas na Justiça do Trabalho e outros R$ 37,5 milhões para a compra de melaço, matéria-prima para a produção de fermento, principal produto do ramo de alimentos do grupo.
O financiamento, contudo, foi negado por sentença, o que foi mantido pelo TJSP, em junho. A justificativa usada pelo relator, o desembargador Natan Zalinschi Arruda, foi que o processo já havia se encerrado.
“Ainda que pendente a análise de eventual recurso de apelação interposto contra a decisão de encerramento do processo de soerguimento, o início da produção de seus efeitos é imediato. Portanto, ratifica-se o descabimento da celebração de Financiamento DIP ante o encerramento do procedimento recuperacional”, diz Arruda na decisão (processo nº 2047709-60.2024.8.26.0000).
Na decisão de encerramento da reestruturação, o juiz Guilherme Martins Damini, da Vara Única do Foro de Caconde, afirma que “decorrido o biênio legal (artigo 61, Lei nº 11.101/2005), tal como na espécie, em que a recuperação judicial foi concedida em 25/01/2021, inexistem impedimentos aptos a inviabilizar a extinção do processo” (processo nº 1001798-97.2019.8.26.0103).
A administração judicial, feita pela Laspro Consultores, foi a favor do encerramento. Diz que o biênio de fiscalização já se encerrou em janeiro de 2023 e apesar de não desconhecer os benefícios da Lei de Recuperação Judicial e Falência, a nº 11.101/2005, “eles possuem prazo de duração e não podem se eternizar”. Já a Fazenda Nacional foi contra o encerramento da recuperação.
O advogado do Grupo Itaiquara, Joel Luís Thomaz Bastos, sócio do Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil (TWK) Advogados, afirma que a sentença de encerramento não analisou a proposta de financiamento, que seria para resolver, prioritariamente, o passivo tributário da empresa.
Na visão dele, a interpretação dos magistrados sobre as possibilidades da análise de operações pós-encerramento do processo deve ser “a mais ampla possível”. “Se ela precisa vender uma UPI, por que não se valer da própria recuperação que tira a sucessão para poder fazer uma venda segura?”, questiona. Segundo Thomaz Bastos, os credores têm se manifestado favoravelmente à reabertura.
O advogado cita um precedente, que foi o caso da Sabó Indústria e Comércio de Autopeças, em que houve a venda de uma UPI, mas a alienação não chegou a ser homologada pelo juízo, que decretou o encerramento da recuperação judicial. O TJSP reformou a sentença para permitir a conclusão da venda e impedir a sucessão da dívida para o comprador (processo nº 1037522-74.2019.8.26.0100).
Ana Carolina Monteiro, consultora de reestruturação do MM&LC Advogados, diz que em caso de aditamento ao plano, a recuperação judicial tem que ser reaberta obrigatoriamente, pois depende de procedimentos necessariamente judiciais. “A recuperação ainda continua pois existem diversos incidentes abertos e divergências não julgadas”, afirma.
Como não houve o trânsito em julgado da sentença de encerramento de recuperação judicial, acrescenta, apenas se encerrou o período de fiscalização. “Embora judicialmente exista o encerramento, na prática, não houve término da recuperação.”
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO