As políticas fiscais brasileiras seguem reféns da instabilidade política, criando um ciclo que dificulta a construção de uma democracia sólida sempre que atacada, reverberando nas políticas fiscais.
Tão jovem é a democracia brasileira, que ainda enfrenta instabilidades políticas capazes de comprometer sua consolidação. Nesse contexto, destaca-se um pilar estatal cujo impacto dessas inseguranças sempre mostrou-se latente: o fiscal.
O cenário fiscal brasileiro, especialmente no âmbito do ainda incompleto desenvolvimento da Reforma Tributária, reflete um histórico político-econômico antagônico ao efetivo fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
A história do país é marcada por eventos de instabilidade política, como os golpes de 1930 e 1964, além de episódios mais recentes, como o impeachment de 2016.
Cada uma dessas rupturas trouxe impactos significativos à política fiscal, reforçando um ciclo de incertezas que afeta tanto a governança quanto o desenvolvimento econômico de um país cuja trajetória tem sido marcada por instabilidade e dualidade ao longo de décadas.
Essas instabilidades refletem-se diretamente no cenário fiscal brasileiro, um dos pilares mais sensíveis do Estado. A política fiscal, estruturada na tributação, nos gastos públicos e na gestão da dívida pública, deveria, em tese, fundamentar-se em princípios capazes de assegurar a gestão equilibrada dos recursos públicos.
Seu objetivo central é promover a estabilidade econômica, financiar as políticas públicas e garantir uma trajetória sustentável da dívida pública. Contudo, em momentos de crise, esse foco se perde, e a política fiscal torna-se refém da conjuntura política e dos interesses predominantes.
O ciclo.
Durante o regime militar, por exemplo, houve uma centralização das receitas e um aumento no endividamento externo. Já no período pós-2016, medidas de austeridade, como o teto de gastos, restringiram os investimentos públicos, enfraquecendo ainda mais a capacidade do Estado de responder às demandas sociais.
Atualmente, o Brasil vivencia um momento crucial com a Reforma Tributária em pauta. No entanto, o histórico político-econômico do país continua a revelar um ambiente de instabilidade, dificultando o desenvolvimento de uma democracia sólida e funcional, mesmo após 36 anos de vigência da Constituição Federal de 1988.
O sistema tributário brasileiro, além de ser complexo e volátil, contribui, se não houver cautela, para a perpetuação dos reflexos dessa degradação democrática.
A relação entre instabilidade política e cenário fiscal revela-se, portanto, um ciclo vicioso: crises políticas fragilizam a condução da política fiscal, enquanto problemas estruturais no sistema tributário exacerbam as desigualdades, alimentando tensões que minam a confiança nas instituições democráticas.
Reforma Tributária e segurança fiscal.
A Reforma Tributária, iniciada pela EC 132/23, representa uma tentativa de corrigir desigualdades históricas, mas também reflete a complexidade de um país marcado por rupturas institucionais.
A proposta de unificação de tributos sobre o consumo, por meio do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), visa reduzir a regressividade do sistema atual, no qual pessoas em condições de renda mais baixas, desproporcionalmente onerados, sofrem os maiores impactos.
Todavia, a implementação de mecanismos como o cashback tributário exige estabilidade política e regulamentações sólidas para evitar que a insegurança institucional comprometa os benefícios esperados.
O histórico político-econômico brasileiro evidencia como as instabilidades frequentemente subvertem a política fiscal, transformando-a em um instrumento moldado por crises e interesses conjunturais.
Durante o regime militar, a centralização de receitas e o endividamento externo ampliaram as disparidades sociais. No período pós-2016, medidas como o teto de gastos limitaram a capacidade do Estado de atender às demandas públicas em meio à recessão econômica.
No cenário atual, o desafio consiste em reverter décadas de desigualdades por meio de uma política fiscal que priorize a justiça social e demonstre resiliência às oscilações e ameaças ao Estado Democrático de Direito
A Reforma Tributária, embora ambiciosa, reflete os antagonismos internos do país. Dispositivos como alíquotas diferenciadas para bens essenciais, conforme o pelo PLP 68/2024, evidenciam esforços de inclusão.
No entanto, a resistência de alguns setores às dificuldades de articulação política mostram como o processo de transformação fiscal está intrinsecamente ligado à capacidade do Brasil de superar suas instabilidades históricas.
A relação entre o cenário fiscal e as crises políticas no Brasil, portanto, demonstra um ciclo vicioso: as instabilidades enfraquecem a capacidade do Estado de promover reformas eficazes, enquanto a manutenção de um sistema tributário injusto exacerba desigualdades que alimentam novas crises.
Para além do problema distributivo, a concentração da carga tributária nos impostos indiretos é nociva à eficiência e à competitividade do sistema produtivo brasileiro.
Ao tributar a produção e o comércio, em detrimento da renda, aumenta-se o custo das mercadorias e dos serviços brasileiros relativamente aos países com carga tributária centrada na renda e na riqueza, prejudicando a competitividade das empresas e a eficiência do sistema econômico doméstico.
Nesse sentido, Oliveira e Biasoto (2015) argumentam que o sistema tributário regressivo não é apenas prejudicial para a questão da justiça fiscal, mas também para a própria atividade econômica, para o crescimento e para a justiça social.
Por fim, quando, além do ex-presidente, outras 36 pessoas foram enquadradas pela PF em três delitos: organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, de modo concomitante, para que o país alcance uma democracia consolidada, a política fiscal precisa ser tratada não apenas como ferramenta de arrecadação, mas como instrumento de fortalecimento institucional.
Isso requer a ruptura com padrões históricos que perpetuam insegurança e desigualdades, assegurando que as reformas tributárias cumpram seu papel no desenvolvimento de um Estado mais justo e funcional.
Não se trata, assim, apenas de uma questão de justiça fiscal, mas também de uma razão econômica” (OLIVEIRA E BIASOTO, 2015).
De antemão, essa é a expectativa sobre as derivações da EC 132/24, a compreender se, de fato, serão fortalecidos os instrumentos de segurança fiscal.
FONTE: MIGALHAS – POR ANITA CONTREIRAS