Embargos de Divergência da Fazenda Nacional inauguram novo debate sobre a modulação do Tema 1.079 do STJ.
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado em 13/03/2024, por unanimidade, decidiu que não é aplicável a limitação de 20 (vinte) salários-mínimos à base de cálculo das contribuições ao Sistema S.
Por 3×2, foi definida a aplicação de modulação de efeitos, reconhecendo o direito de limitação da base de cálculo aos contribuintes que obtiveram decisões judiciais ou administrativas favoráveis até a data do julgamento.
Na oportunidade, a ministra Regina Helena Costa propôs a modulação de efeitos por compreender que a jurisprudência dominante no âmbito do STJ era favorável aos contribuintes anteriormente ao julgamento do Tema 1.079.
Como já mencionado, a modulação de efeitos aplicada não foi unânime, com manifestação de divergência do ministro Mauro Campbell Marques, por entender que não seria possível afirmar que havia jurisprudência dominante no STJ em razão da 2ª Turma do Tribunal Superior jamais ter se pronunciado sobre a temática.
Nesse sentido, foram opostos embargos de declaração pelo Sebrae e pela Fazenda Nacional, contestando a existência de jurisprudência dominante previamente, na medida em que no âmbito da 2ª Turma do STJ só existiam decisões monocráticas, ao passo que parte das decisões favoráveis ao contribuinte proferidas pela 1ª Turma do STJ foram posteriormente revistas.
Os contribuintes também opuseram embargos de declaração demonstrando que a modulação de efeitos aplicada pelo STJ viola os princípios de segurança jurídica, proteção da confiança e isonomia.
Os embargos de declaração fazendários foram rejeitados nos termos do voto da ministra Regina Helena Costa, que entendeu que, ainda que por meio de decisões monocráticas, formou-se entendimento majoritário na 2ª Turma do STJ, mediante o acolhimento da jurisprudência consolidada produzida pela 1ª Turma do Tribunal.
De igual modo, os embargos de declaração opostos pelos contribuintes foram rejeitados por entender-se que os critérios empregados pelo STJ para modular os efeitos do julgamento prestigiam a iniciativa das empresas que ajuizaram ações e/ou protocolaram pedidos administrativos e obtiveram pronunciamento favorável, ao passo que evitam que a inércia de outros interessados seja indevidamente recompensada após a mudança jurisprudencial.
Após a rejeição de todos os embargos de declaração, inaugurou-se um novo debate sobre a sistemática de aplicação do instituto de modulação de efeitos em matéria tributária, em busca de maior segurança e previsibilidade na criação dos precedentes em temas tributários.
Isto porque, em 04/10/2024, os contribuintes interpuseram Recurso Extraordinário visando que o STF se manifeste sobre a constitucionalidade da metodologia de aplicação do instituto de modulação de efeitos pelo STJ.
Por outro lado, em 11/11/2024, a Fazenda Nacional interpôs Embargos de Divergência visando provocar o debate na Corte Especial do STJ sobre a interpretação adequada do conceito de jurisprudência dominante para fins de aplicação de modulação de efeitos, na medida em que questiona o uso de decisões monocráticas como base para formação de jurisprudência majoritária.
Do ponto de vista processual, o próximo passo é aguardar a análise de admissibilidade dos Embargos de Divergência, que será realizada pela ministra Regina Helena Costa. Em caso de admissão, os Embargos de Divergência serão apreciados pela Corte Especial do STJ, um colegiado ampliado de 15 ministros.
Posteriormente, os autos serão encaminhados ao STF para análise do Recurso Extraordinário apresentado pelo contribuinte.
O instituto de modulação de efeitos
O instituto da modulação de efeitos foi introduzido no Brasil no artigo 27 da Lei 9.868/1999, sendo posteriormente incorporado pelo art. 927, §§3ºe 4º do CPC/15.
Assim, a legislação processual prevê a aplicação do instituto em hipótese de alteração de jurisprudência dominante pelos tribunais superiores para assegurar segurança jurídica ou excepcional interesse social, sendo orientado pelos princípios de segurança jurídica, proteção da confiança e isonomia.
No âmbito do direito tributário e fiscal, o instituto de modulação de efeitos ganha especial relevância pelos impactos financeiros que produz na realidade do contribuinte e nos cofres públicos.
Destaca-se que, muito embora o STF aplique a modulação de efeitos com certa frequência em julgamentos que versem sobre controle de constitucionalidade em matéria tributária, a aplicação do referido instituto não é prática comum no âmbito do STJ.
Isto porque, historicamente, o STJ adota uma postura mais reservada quanto à modulação de efeitos, se comparado com o STF, que vem aplicando a modulação de efeitos com bastante frequência, principalmente, em julgamentos que versam sobre matéria tributária.
Nestes termos, a primeira modulação de efeitos aplicada pelo STJ em matéria tributária ocorreu apenas em 13/12/2023, em sede do julgamento do Tema n.º 1.125, inaugurando a aplicação de modulação de efeitos em matéria tributária pelo STJ após a vigência do CPC/15.
Na oportunidade, aplicou-se a modulação para que a produção de efeitos do acórdão que reconheceu o direito de exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do PIS e da Cofins ocorra a partir de 15/03/2017, mesmo marco temporal aplicado pelo STF em sede do julgamento do Tema n.º 69, que reconheceu o direito de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Posteriormente, o STJ modulou os efeitos nas discussões que envolvem a limitação das contribuições destinadas ao “Sistema S” em até 20 salários-mínimos (REsp n.º 1.898.532/CE), bem como a exclusão da TUST e TUSD da base de cálculo do ICMS (REsp n.º 1.163.020/RS).
Em ambas as oportunidades, os julgamentos geraram debates e indagações na comunidade, haja vista que a forma de modulação de efeitos proposta pelo STJ se diferenciou das modulações de efeitos até então aplicadas pelo STF em matéria tributária.
Os numerosos julgamentos com modulação de efeitos já proferidos pelo STF indicam que a técnica aplicada é no sentido de resguardar as ações em curso ajuizadas antes do julgamento, jamais tendo restringido a aplicação somente às ações que receberam decisão em sentido favorável ao Fisco ou aos contribuintes.
Já no âmbito do STJ, com exceção da modulação do Tema 1.125, que seguiu o mesmo racional do STF, as demais modulações resguardaram apenas contribuintes que obtiveram decisões em sentido favorável no âmbito judicial ou administrativo.
Desse modo, o cenário de insegurança jurídica é agravado com a existência de metodologias distintas de aplicação de modulação de efeitos entre os tribunais superiores.
Em sede de julgamento do Tema n.º 1.079, ao julgar os embargos de declaração, a ministra Regina Helena Costa já manifestou o entendimento de que o STJ não está obrigado a empregar os mesmos critérios de modulação de precedentes aplicados pelo STF.
Por outro lado, os ministros do STF ainda não manifestaram se a adoção de critérios distintos entre os tribunais superiores seria constitucional ou não.
Assim, resta evidente que os desdobramentos do debate sobre a modulação de efeitos aplicada ao Tema 1.079 do STJ estão longe de se encerrar.
Os próximos pronunciamentos do STJ e do STF serão de vital importância para a criação de critérios sólidos para modulação de precedentes em ambos os tribunais superiores, haja vista a vagueza dos requisitos determinados pelo art. 927, §§ 3º e 4º do CPC/15, que regulamenta o instituto no sistema jurídico brasileiro.
Com a crescente judicialização das questões tributárias, é imprescindível que os tribunais adotem uma abordagem coerente e previsível na aplicação do instituto de modulação de efeitos, a fim de garantir a segurança jurídica e a proteção da confiança dos contribuintes.
FONTE: JOTA – POR GUSTAVO MENDES DE OLIVEIRA COSTA