Não podemos permitir uma reforma tributária em que sistemas teóricos e complexos acarretarão impactos prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social do Brasil
Durante a corrida espacial, os Estados Unidos contrataram os melhores engenheiros e cientistas para desenvolver os mais modernos equipamentos e quase perfeitos sistemas. Gastaram milhões de dólares em projetos para criar os mais adequados artefatos para funcionamento em gravidade zero. Contudo, em alguns casos, a solução tradicional provou ser mais eficiente.
O lápis se mostrou mais barato e eficaz do que a caneta em gravidade zero, e um simples elástico foi capaz de se sobrepor a um inventivo projeto de milhares de dólares que prometia segurar objetos no espaço. Enfim, o simples, em muitos casos, mostrou-se muito mais eficiente em relação ao intricado e cientificamente mais “correto”, cuja superioridade agradava apenas as pranchetas dos cientistas.
No âmbito da reforma tributária do consumo, essa história parece se repetir. Não se trata de negar a necessidade de uma reforma para substituir o atual regime tributário que é caótico, para dizer o mínimo.
Mas será que estamos deixando de olhar o simples que, mesmo mais “rústico” ou elementar, ainda continua sendo eficiente e seguro? Não haveria uma forma de manter a singeleza do modelo atual e os benefícios do novo sistema? Não seria por aí que manteríamos a arrecadação, a não cumulatividade par a operações que se encontrem no meio da cadeia, facilitando tratativas com consumidores finais?
Em comparação com o regime em vigor, o setor imobiliário, em particular, terá mais complexidades no novo sistema. Moradia, lote urbanizado e aluguel residencial terão aumento de custo e, portanto, de preço para a sociedade, ocasionando um impacto negativo no combate do déficit habitacional, estimado em inadmissíveis sete milhões de unidades. Exemplo disso é o regime especial de tributação das incorporadoras (RET – Lei nº 10.931/2023) e a tributação no loteamento e na locação, que hoje é simples e eficaz, lidando apenas com dois elementos: receita bruta e alíquota.
De outro lado, as regras trazidas pelo atual texto do Projeto de Lei (PL) nº 68/2024, que irá regulamentar os novos tributos do consumo – a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) -, traz uma gama de complexidades para apuração dos impostos. Teremos de lidar com inúmeras regras que tratam de redutor de ajuste, redutor social, valor de referência, CIB/Cadastro Imobiliário Brasileiro (que não existe), regras de creditamento, regras de transição etc. É fato que a nova sistemática de tributação para operações com bens imóveis exigirá investimentos significativos para que as empresas fiquem em conformidade, o que irá repercutir no preço da moradia.
Consequência disso é que, no caso das operações com bens imóveis, haverá mais regras a cumprir e exponencial insegurança jurídica, pois as empresas terão enormes dificuldades em lidar com tamanha complexidade. Além disso, há a possibilidade de a informalidade aumentar, pois alguns podem optar por evitar a Haddad diz que esquerda não pode depender apenas de Lula burocracia – o efeito ‘cisne negro’ identificado pelo economista Nassim Taleb, professor da Universidade de Nova Iorque, que desnudou a fragilidade de sistemas complexos e supostamente seguros.
O atual regime tributário para as atividades imobiliárias é inteligível e eficiente. Por que complicar? A reforma tributária deve buscar a segurança jurídica e a simplificação do sistema. Essa foi a promessa do governo. Não precisamos da caneta perfeita, que implicará em investimentos milionários, imensa incompreensibilidade e burocracia, o que levará o brasileiro a pagar mais caro para realizar o sonho da casa própria.
Há como evitar que isso aconteça. Não podemos permitir uma reforma tributária em que sistemas teóricos e complexos acarretarão impactos prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social do Brasil. Afinal, como afirma Taleb, a simplicidade é a marca da perfeição.
Caio Portugal é presidente da Associação de Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano (Aelo) e vice-presidente de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Secovi-SP
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR CAIO PORTUGAL