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REFORMA TRIBUTÁRIA: SOBRE ARRECADAÇÃO, BENEFÍCIOS FISCAIS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

7 de novembro de 2024

A reforma tributária brasileira aborda uma série de mudanças fundamentais para a estrutura tributária atual, buscando corrigir distorções arrecadatórias e promover uma distribuição mais justa entre os estados.

O sistema atual do ICMS, baseado em uma “tributação mista” que combina incidência na origem e compartilhamento do imposto com o estado do destino, resulta em problemas estruturais, incentivando uma competição desigual entre os estados, conhecida como guerra fiscal. Nesta disputa, os estados competem para atrair empresas oferecendo benefícios fiscais unilaterais, gerando graves consequências econômicas e sociais.

Esse modelo promove desequilíbrio, uma vez que estados economicamente mais fortes, capazes de oferecer melhor infraestrutura e incentivos, atraem um volume maior de arrecadação em detrimento das regiões menos favorecidas. No caso do ICMS, essa lógica de benefícios fiscais gera um descompasso, pois o estado de destino arrecada apenas uma fração do imposto (Difal), enquanto o consumidor final localizado nesse estado pode apropriar-se de créditos fiscais integrais, criando uma lacuna entre a arrecadação pública e o crédito tributário das empresas.

Há ainda uma percepção equivocada sobre os benefícios fiscais, que muitas vezes são interpretados como impulsionadores de demanda e reduções de preços. Na prática, isso raramente ocorre, pois os setores beneficiados nem sempre repassam as vantagens tributárias aos consumidores. Setores de baixa elasticidade de preço, como o de combustíveis, exemplificam essa ineficiência, em que a redução de impostos não se reflete integralmente no preço final ao consumidor.

A lógica atual da tributação na origem também interfere nas decisões de localização das empresas, que priorizam estados com menores custos tributários, ao invés de fatores como proximidade ao mercado consumidor e disponibilidade de insumos. Esse fenômeno gera distorções na livre concorrência, fazendo com que as empresas busquem vantagens via sistema tributário ao invés de investir na eficiência operacional. Com isso, regiões menos favorecidas ficam dependentes de incentivos fiscais e são forçadas a compensar a renúncia tributária aumentando a carga em outros setores. Isso também prejudica a competitividade e o desenvolvimento de um mercado mais equilibrado.

Mecanismos de mudança

A adoção do princípio de destino, proposta pela reforma, visa corrigir essas distorções, promovendo uma arrecadação mais justa. Sob o princípio de destino, o imposto incidirá no consumo final, independentemente de onde o produto foi fabricado. Esse novo modelo beneficia regiões com maior demanda de consumo, como o Nordeste, ao descentralizar a arrecadação dos estados produtores para os estados consumidores. Com a mudança, a concessão de benefícios fiscais perde o sentido, pois a localização das indústrias não afeta mais a arrecadação tributária sobre o consumo. Esse modelo também traz mais transparência e fortalece o controle social, dificultando o uso de isenções tributárias como instrumentos de negociação política.

Outra inovação da reforma é a introdução de uma competição fiscal saudável, chamada tax competition. Com a possibilidade de estabelecer alíquotas diferenciadas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), os estados e municípios competem em favor do consumidor final, em vez de focarem exclusivamente no benefício das empresas. Essa concorrência tributária direta permite que as alterações de alíquotas sejam aprovadas de forma transparente, garantindo responsabilidade e equilíbrio fiscal. No entanto, variações excessivas entre as alíquotas de regiões próximas exigem cautela, pois podem causar a evasão de consumidores e gerar perdas de receita.

Desenvolvimento regional e compensação de incentivos

A prática de concessão de benefícios fiscais sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) é considerada inconstitucional e traz efeitos negativos para a economia, corroendo a base tributária e comprometendo o pacto federativo. A reforma reafirma a importância de um sistema coordenado, no qual as políticas públicas de desenvolvimento regional se baseiem em investimentos estruturais em vez de renúncias fiscais. Com o novo critério, o foco da competição passa a ser o cidadão e o consumidor final, ao invés das empresas, promovendo um desenvolvimento econômico equilibrado.

Para auxiliar na transição e corrigir as desigualdades regionais, a reforma institui o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, cujo objetivo é fomentar a inovação e a sustentabilidade.

Financiado pela União, o fundo conta com aportes progressivos para garantir um desenvolvimento inclusivo, contemplando investimentos em infraestrutura e inovação científica. As prioridades incluem projetos sustentáveis e com foco na redução de emissões de carbono, em alinhamento com as políticas ambientais contemporâneas. O fundo, que prevê aportes anuais de até R$ 60 bilhões a partir de 2043, contribui para uma redistribuição de recursos mais justa e sustentável.

Outro fundo relevante na reforma é o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado para amparar empresas e estados que perdem benefícios onerosos devido à nova legislação do ICMS. Ativo até 2032, o fundo oferece compensação a estados que dependem dos incentivos e assegura que setores estratégicos tenham tempo para se adaptar à nova realidade tributária. A responsabilidade pela análise dos pedidos de compensação cabe à Receita Federal, e o Tribunal de Contas da União regula os coeficientes de participação, garantindo que os recursos sejam aplicados de forma eficiente.

A reforma tributária, com essas mudanças abrangentes, promove uma arrecadação mais justa e equilibrada, descentralizando os recursos de estados produtores para os estados consumidores. O fim da guerra fiscal e a adoção de uma estrutura de tax competition beneficiam o cidadão e trazem maior justiça social, com os novos fundos de compensação e desenvolvimento regional assegurando que os recursos sejam aplicados de maneira responsável e estratégica.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR PEDRO SARAIVA LIMA SOUSA

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