A reforma tributária criou várias novas regras que passaram despercebidas pelo público em geral. Uma delas é o “esticamento” da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), que se transformou na contribuição para “custeio, a expansão e a melhoria do serviço de iluminação pública e de sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos”.
Batizo aqui de “contribuição BBB [Big Brother Brasil]” em analogia ao famoso programa da Rede Globo de Televisão.
O programa teve origem na TV holandesa, que, por sua vez, inspirou-se no livro de George Orwell 1984, que relata a distopia social de um ditador que controla a população com câmeras de vigilância.
O “grande irmão” dispõe de câmeras em todos os locais, inclusive nas casas das pessoas. A inspiração são as ditaduras comunistas, sempre criticadas por Orwell.
A nova contribuição pode financiar a segurança, a iluminação pública e a preservação de logradouros. Outro nome de batismo poderia ser “Consil” (Contribuição de Segurança, Iluminação pública e conservação de Logradouros).
Como é possível, com a nova contribuição, instalar câmeras por todo o município, o apelido não poderia deixar de ser sugerido em analogia ao famoso programa de TV e ao livro de George Orwell.
Também é uma forma de viabilizar, do ponto de vista jurídico e financeiro, a fiação elétrica subterrânea nas cidades brasileiras.
Nova redação com a reforma tributária
Comparemos as redações do artigo 149-A da Constituição antes e depois da emenda constitucional nº 132.
Antes da emenda a regra constitucional autorizava apenas o custeio da iluminação pública com a Cosip. Assim, previa a regra revogada:
“Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.”
A nova redação, porém, autoriza a instituição da contribuição para custeio, expansão, e melhoria do serviço de iluminação.
Acrescenta, ainda, a instituição da contribuição para custear e instalar sistemas de monitoramento para segurança (câmeras, por exemplo) e preservação de logradouros públicos. Assim:
“Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio, a expansão e a melhoria do serviço de iluminação pública e de sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos, observado o disposto no art. 150, I e III.” (grifos nossos).
A regra do parágrafo único do mencionado artigo 149-A permanece, sendo possível a cobrança na conta de luz.
Assim:
“Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.”
Além da facilidade da cobrança a Consil ou ConBBB pode passar despercebida pelos cidadãos, principalmente se não tiver valor elevado que chame a atenção do consumidor de energia elétrica.
Jurisprudência sobre competência legislativa
A simples aprovação de uma lei municipal obrigando que as concessionárias de energia elétrica promovam o aterramento da fiação não seria suficiente para a resolução do problema, já que se trata de uma concessão da União, não tendo o município competência legislativa para o tema.
Aliás, noticiou esta ConJur [1] nesse diapasão:
“Liminar suspende programa de aterramento de fios da prefeitura de SP
A desembargadora Mônica Nobre, relatora do caso, concordou com o argumento do Sindienergia sobre a falta de competência da administração municipal em determinar a forma como as concessionárias de energia elétrica devem atuar, nem definir os termos de contratos firmados.
Ela ainda ressaltou a necessidade de esclarecimento sobre a efetivação da lei que determina os aterramentos dos fios aéreos, como a forma que os recursos para as obras serão captados e os repasses que serão feitos ao consumidor.”
A solução deve ser dada de outra forma, conforme ensina a experiência de Gramado/RS.
Gramado e novos loteamentos
O município de Gramado (RS) implementou o aterramento com a utilização de recursos próprios e privados para o aterramento. Como se trata de uma belíssima cidade turística há, aparentemente, interesse dos empresários na implementação da melhoria do meio ambiente urbano.
Para a instalação de novos bairros, uma lei municipal exigindo estrutura de aterramento dos loteadores resolveria a questão para o futuro loteamento, suplementando a previsão de estrutura elétrica da Lei nº 6.766/1.979 e regulando o meio ambiente urbano.
No caso específico de Gramado, a lei municipal 3.766/2.019 previu multas para infrações de má conservação da fiação elétrica. Assim, fios elétricos inutilizados devem ser retirados pela concessionária, sob pena de multa. A boa manutenção dos fios já é dever da concessionária de energia elétrica. Desta forma, a lei municipal não invade a competência da União, apenas protege o meio ambiente urbano, nos termos do artigo 23, VI da Carta Magna.
Com isso, Gramado gerou interesse da concessionária em participar do aterramento da fiação elétrica em parceria com o município e empresas locais.
Esse é o exemplo de solução do problema que teve o município gaúcho como grande protagonista.
Vigilância sobre o pecado
O Imposto Seletivo (IS), após a reforma tributária, já vem sendo batizado de “tributação do pecado” [2] diante de sua provável maior incidência em produtos “do vício”, tais como tabaco e bebidas alcoolicas.
O PLC nº 68/2.024 (em trâmite junto ao Senado) também prevê que bebidas açucaradas entrariam no critério metafórico do “pecado” e produtos nocivos ao meio ambiente. Nesse sentido, prevê o artigo 393:
“Art. 393. Fica instituído o Imposto Seletivo – IS, de que trata o inciso VIII do art. 153 da Constituição Federal, incidente sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
1º Para fins de incidência do Imposto Seletivo, consideram-se prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente os bens classificados nos códigos da NCM/SH listados no Anexo XVIII, referentes a:
I – veículos;
II – embarcações e aeronaves;
III – produtos fumígenos;
IV – bebidas alcoólicas;
V – bebidas açucaradas; e
VI – bens minerais extraídos.”
Se no âmbito federal, o pecado em potencial é prevenido pela exasperação do tributo, no âmbito municipal o “controle do pecado” ocorre pela atuação do poder público, literalmente filmando e gravando pecados cometidos em logradouros.
Seja como for, a reforma tributária já está profundamente marcada pela “regulamentação dos pecados”, notadamente pela União e pelos municípios.
Conclusão
A Consil ou ConBBB é a oportunidade conferida pela reforma tributária para que os municípios implementem regras de um sadio meio ambiente urbano com o aterramento da fiação elétrica, instalação de câmeras para combate ao crime e manutenção dos logradouros públicos. O “pecado” será, no fundo, parâmetro das alterações implementadas pela reforma tributária.
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[1] https://www.conjur.com.br/2015-jun-19/liminar-suspende-programa-aterramento-fios-sao-paulo/
[2] Prates, Pamela Varaschin, “Tributação do pecado”, Ed. Fórum, 1ª edição, 2.024.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR LAÉRCIO JOSÉ LOUREIRO DOS SANTOS