Uma das atitudes que mais contribuem para imprimir uma sensação de justiça em qualquer esfera de convivência da sociedade é levar em consideração as iniciativas espontâneas de busca pelo perdão e correção de erros.
Mas no caso do chamado Acordo Paulista, programa do governo do estado de São Paulo voltado a permitir o parcelamento de débitos na dívida ativa para empresas em recuperação judicial ou falência com dívidas de ICMS, o que está acontecendo é justamente o contrário.
Ao lançar o Edital 3/2024, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, acaba por favorecer as empresas em recuperação judicial que buscaram somente agora o Estado para transacionarem suas dívidas, em flagrante ofensa ao princípio da isonomia, já que por não haverem feito qualquer pagamento em outro parcelamento anterior, terão para si a totalidade dos benefícios deste terceiro edital. Ou seja, privilegia-se os contribuintes irregulares em detrimento àqueles que buscaram na 1ª oportunidade a sua regularidade.
A razão desta “penalização” das empresas que já haviam buscado regularizar seus débitos antes desta terceira etapa se encontra na forma como é tratado o limite de desconto no percentual que é de 70% do valor do débito original. Ocorre que este percentual é aplicado sobre o débito original atualizado, com todos os acréscimos legais (multa, juros etc.) e sem a apropriação das parcelas ou antecipações que, com dificuldade, tenham sido honradas por estas empresas. Em outras palavras, nem a entrada paga pelas empresas, de 5% da dívida residual, nem as parcelas pagas até o presente momento, relativas ao Edital 1, são abatidas.
Migração com ônus
O que a PGE propõe com o seu atual edital é uma “migração” em que, 1) o parcelamento anterior é rompido; 2) as parcelas de multas e juros são reincorporadas ao débito; 3) os valores pagos são abatidos do valor bruto da dívida original; e, 4) após abater tudo o que foi pago do valor original e atualizado da dívida, faz-se nova transação.
O termo migração é destacado entre aspas pelo fato de que uma migração, em princípio, deveria pressupor que respeitado o limite legal de redução dos débitos a 70% do valor original, os valores pagos em outra transação fossem aproveitados nesta integralmente.
Ao não colocar isto em prática, pode se considerar que há flagrante ilegalidade nesta decisão de cálculos da PGE, posto que na medida em que o item 2, do item 2, do §5º, do artigo 15, da Lei nº 17.843/23, dispõe claramente que o contribuinte em recuperação judicial “poderá migrar os saldos de parcelamentos e de transações anteriormente celebrados, tanto perante a Procuradoria Geral do Estado quanto perante a Secretaria da Fazenda e Planejamento, inclusive eventuais saldos que sejam objeto de parcelamentos correntes desde que em situação regular perante o devedor, sem quaisquer custos adicionais ou exigência de antecipações/ garantias ao contribuinte”.
Ora, o que se questiona é que a migração sem ônus deveria obrigatoriamente pressupor também o aproveitamento das pagas no parcelamento anterior para o novo parcelamento. “Migrar” o parcelamento, sem que sejam aproveitadas as parcelas pagas, é o mesmo que realizar uma migração com ônus. Em outras palavras, não há migração. Há rompimento, reintegração de valores abatidos, absorção dos valores abatidos no valor total e, por fim, há a realização da elaboração de um novo parcelamento. Isso tudo com ônus claro aos contribuintes, em contrário senso à lei.
Sugestão
A fim de serem evitadas inúmeras contendas judiciais desnecessárias, uma sugestão para que não haja uma verdadeira transgressão ao princípio constitucional da isonomia seria um ajuste na legislação de modo que o Edital 3 permita a apropriação de todas as antecipações e parcelas pagas no principal do débito transacionado pelo Edital 1, de forma que a fórmula passasse a ser a seguinte:
1) Recompõem-se os valores originais da dívida;
2) aplicam-se os benefícios do Edital 3, apurando-se o saldo inicial devido pelo contribuinte;
3) do saldo original (devidamente corrigido, naturalmente), são abatidos todos os valores pagos no Edital 1, também devidamente corrigidos; e,
4) do saldo líquido calculam-se as parcelas devidas pelo contribuinte no âmbito do Edital 3. Desta forma, além do princípio da Isonomia estar sendo seguido, teríamos uma real migração sem ônus para as empresas que mais precisam de apoio do Estado.
Tais ajustes seriam muito bem-vindos no sentido de aprofundar uma série de benefícios que ele também oferece às empresas como o alongamento do prazo para pagamento da dívida, que passa a permitir 145 prestações, ou seja; 25 a mais que na transação anterior, além da retirada do requisito de garantia da dívida, exigência que para as empresas em recuperação judicial que transacionaram no Edital 1 estava sendo bem difícil de ser cumprida.
Outro ponto de destaque positivo neste edital é fato de que todos os acréscimos legais que aumentam e muito o débito original, tais quais multas, juros, honorários administrativos e advocatícios, são integralmente excluídos, permanecendo tão somente o valor principal do débito original, o qual não pode ser reduzido em hipótese alguma.
Sendo assim, o programa não está longe de alcançar seu objetivo de incentivar as empresas à busca pela regularização. Basta apenas um olhar com maior atenção àqueles que já haviam tentado fazer isso anteriormente.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR DANIEL RÚBIO LOTTI E MARCIO MIRANDA MAIA