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EXTENSÃO DOS EFEITOS DA FALÊNCIA E IDPJ: CABIMENTO E LEGITIMIDADE

1 de novembro de 2024

A Lei nº 11.101/2005 sofreu profunda reforma pela Lei nº 14.112/20. Uma delas foi o artigo 82-A, que dispõe: é vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.

O objetivo do texto é tecer considerações sobre a extensão dos efeitos da falência e sobre o IDPJ, incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto na nova regra do artigo 82-A, da Lei nº 11.101/2005, quando cabem, contra quem cabe e quem pode se valer do instrumento.

A doutrina majoritária entende que, em razão da nova regra, foi proibida a extensão dos efeitos da falência aos sócios de responsabilidade limitada, de modo que deve ser utilizado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, trazido ao nosso ordenamento jurídico, primeiro pelo CPC de 2015, e atualmente de forma expressa na Lei de Falências e Recuperação de Empresas, por força do artigo 82-A, acrescido pela Lei nº 14.112/20.

Há quem pense, contudo, de forma diversa, por entender que o artigo 82-A não vedou a extensão dos efeitos da falência a outras pessoas jurídicas, conforme discorreremos à frente.

Doutrina majoritária: houve proibição da extensão dos efeitos da falência, diante do artigo 82-a, da Lei nº 11.101/2005:

Fábio Ulhoa Coelho, defensor da ideia de que houve a proibição da extensão dos efeitos da falência, afirma que a extensão foi criação jurisprudencial para instrumentalizar a desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar, numa época em que não existia na legislação nenhum incidente próprio [1].

No mesmo sentido é a posição de Daniel Cárnio da Costa e de Alexandre Nasser de Melo, que observam que a ausência de um dispositivo como o artigo 82-A, da Lei de Falências e Recuperação de Empresas trazia efeitos nocivos à liquidação e à economia como um todo, porque causava a responsabilização de sócios ou mesmo o reconhecimento de grupo econômico, sem observância ao contraditório, com imputação ilimitada de responsabilidades [2].

Marcelo Barbosa Sacramone, em comentários à nova regra do artigo 82-A, observa que o artigo 81, que trata da extensão da falência, é norma que limita direitos e por isso deve ser interpretada restritivamente, com aplicação somente nos casos de sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada e solidária, mas, apesar disso, o IDPJ tem sido aplicado para estender a falência da pessoa jurídica a seus sócios, ainda que estes tenham responsabilidade limitada às obrigações sociais [3].

A posição de Otávio Joaquim Rodrigues Filho é também no sentido de que não há fundamento, em face do artigo 82-A, da Lei nº 11.101/2005, para extensão da falência a outras sociedades, quando se tratar de tipos societários de responsabilidade limitada [4].

Doutrina minoritária: admissível a extensão dos efeitos da falência, apesar do artigo 82-a:

A posição de Manoel Justino Bezerra Filho é distinta, ou seja, admite a extensão dos efeitos da falência a outras pessoas jurídicas, situação que o artigo 82-A a rigor não vedou, limitando-se a proibir a extensão dos efeitos da falência aos sócios, mas não a outras pessoas jurídicas [5]. E nos parece ter razão o doutrinador, pois a norma do artigo 82-A, restritiva, só merece esse tipo de interpretação e não está nela escrito que a extensão dos efeitos da falência foi proibida em relação a outras pessoas jurídicas.

Conclusões

Realmente, conforme sustenta o professor Justino, o caput do artigo 82-A, da Lei nº 11.101/2005, não vedou a extensão dos efeitos da falência a outras pessoas jurídicas, mas se limitou a proibir essa extensão dos efeitos da falência aos sócios de responsabilidade limitada.

A posição da doutrina e da jurisprudência dominantes, porém, é no sentido de que a extensão dos efeitos da falência deverá se verificar somente mediante utilização do incidente de desconsideração [6] da personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica, portanto, tem sua aplicação delimitada pelo preenchimento dos requisitos do artigo 50, do Código Civil [7], ou seja, restrita aos casos de abuso da personalidade jurídica, por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O IDPJ pode ser requerido por qualquer credor, interessado ou pelo Ministério Público e ainda pela massa falida, uma vez presentes os requisitos do artigo 50, do Código Civil.

Na doutrina, porém, vale observar que Marcelo Sacramone Barbosa sustenta que a massa falida não pode utilizá-lo, por já dispor de mecanismos próprios para responsabilizar sócios e administradores, como a ação de responsabilização dos sócios e administradores, prevista no artigo 82 (ob. cit. p. 404).

Em sentido contrário, Fernando A. M. da Cunha e Maria Rita R.P. Dias sustentam que é possível que a massa falida se utilize do IDPJ [8]. E, segundo cremos, com razão, porque nos parece importante permitir que a massa falida tenha à sua disposição instrumento adequado para se voltar contra o abuso da personalidade jurídica, por desvio de finalidade ou confusão patrimonial (CC, artigo 50). Isso porque o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é fundamental para permitir a busca e o retorno de ativos para a massa falida objetiva, como instrumento útil para coibir e reverter desvio de bens e manobras de ocultação de patrimônio e fraude em detrimento dos credores, conforme tem proclamado a jurisprudência do TJ-SP [9].

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo — é importante frisar — tem restringido a extensão dos efeitos da falência, por meio do IDPJ, somente aos sócios que tenham responsabilidade ilimitada [10].

Finalmente, vale observar que a orientação recente do Superior Tribunal de Justiça tem sido no sentido de que a mera existência de grupo econômico não basta para o IDPJ, pois é necessário demonstrar os requisitos do artigo 50, do Código Civil [11].

Em síntese, nos parece correto afirmar que a extensão dos efeitos da falência continua a ser juridicamente viável, por meio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), nas hipóteses do artigo 50, do Código Civil, contra os sócios de responsabilidade ilimitada ou ainda contra outra pessoa jurídica, desde que presentes os mesmos requisitos do artigo 50, do Código Civil, não bastando a mera circunstância de se tratar de grupo econômico.

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[1] “Uma medida mais que oportuna da Reforma de 2020 é a proibição da extensão dos efeitos da falência. Essa figura (a extensão) foi uma criação da jurisprudência para instrumentalizar a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do processo falimentar, num tempo em que não havia ainda, na legislação processual, nenhum incidente específico para isso. Com o CPC, em 2015, sanada a lacuna, os juízes deveriam ter afastado de vez o expediente provisório da extensão dos efeitos da falência, prestigiando o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 e 137). Não foi, porém, o que aconteceu. Muitos juízes de falência continuaram decretando a extensão dos efeitos da falência como se ainda não existisse um instrumento processual específico para a decretação da ineficácia da autonomia patrimonial, como sanção. Daí a importância do art. 82-A, indicando o meio adequado para o juiz da falência decretar, quando presentes os pressupostos do art. 50 do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida” (Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 304).

[2] “O principal problema que a ausência de um dispositivo como esse trazia até a reforma da lei era a responsabilização de sócios ou mesmo reconhecimento de grupo econômico sem que fosse obedecido o contraditório e a imputação ilimitada de responsabilidades. Isso acabava gerando efeitos nocivos não apenas à liquidação, mas à economia como um todo.  A fixação de requisitos objetivos à eventual responsabilização de terceiros pelas dívidas da sociedade falida deverá, portanto, obedecer ao procedimento previsto nesse dispositivo e ao cumprimento dos requisitos do CCB/2002, art. 50, e das regras processuais para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previstas nos arts. 133 e seguintes do CPC/2015. Para esses casos, vale destacar dois importantes pontos: o procedimento pode ser instaurado de ofício pelo magistrado; e o incidente de desconsideração não suspenderá o processo regido pela lei falimentar, devendo ser processado em autos apartados” (Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Curitiba: Juruá Editora, 2021, p. 215).

[3] …inicialmente, o art. 81, que estabelece a extensão da falência, é norma limitadora de direitos e merece interpretação restritiva”, de modo que “…sua aplicação somente poderá ocorrer nas hipóteses de sociedades tipicamente com sócios de responsabilidade ilimitada e solidária, tais como as sociedades em nome coletivo, as sociedades em comandita simples, quanto aos sócios comanditados, as sociedades em comandita por ações, quanto aos sócios diretores, e as sociedades em comum”.  Enfatiza ainda que “a despeito dessa aplicação extremamente restrita, nas hipóteses de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, nos termos do art. 50 do Código Civil, tem sido aplicado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC) para estender a falência da pessoa jurídica aos seus sócios, ainda que possam ter responsabilidade limitada pelas obrigações sociais”. (Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 402-403).

[4] “Nesse contexto, em que pesem opiniões em sentido contrário, sustentando ser cabível a extensão da falência para outras pessoas jurídicas ao restringir a proteção da lei apenas às pessoas físicas dos sócios, administradores e controladores, mesmo após a reforma empreendida pela Lei 14.112/2020, não nos parece que haja fundamento legal para estender a falência a outras sociedades, em se tratando de tipos societários de responsabilidade limitada; contudo, há fundamento jurídico para os casos extremos, em que se mostra incoerente a regra do art. 82-A com o sistema instituído pela própria Lei 11.101/2005” (Desconsideração da Personalidade Jurídica e Processo. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 127).

[5] “…Não há vedação para a extensão da falência a pessoas jurídicas, sendo aliás utilizado pelos juízes esse sistema de extensão, quando os elementos dos autos demonstrem sua pertinência. O próprio artigo fixa ainda que relativamente a estas pessoas naturais, pode haver a desconsideração da personalidade jurídica, situação que permitirá a arrecadação dos bens pessoais para satisfação dos credores” (Lei de Recuperação de Empresas e Falência Comentada artigo por artigo. 15ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p.  361) (negritos nossos).

[6] (…) Mérito. Presença dos requisitos legais. Art. 50 CC. Comprovados o exercício de sócio de fato, confusão patrimonial e blindagem patrimonial. Possibilidade de estender os efeitos da falência a outras pessoas e sociedades do grupo econômico de fato via desconsideração das personalidades jurídicas. Doutrina e jurisprudência. Irrelevância do transcurso do prazo do art. 1.032 do CC. Precedentes do C. STJ. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2024017-66.2023.8.26.0000; Relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 24/04/2024; Data de Registro: 25/04/2024) (negritos nossos).

[7] Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019).

[8] “Não se pode confundir (…) a ação de responsabilidade dos sócios com o pedido de desconsideração CC, da personalidade jurídica. O fato de existir a previsão da responsabilização do sócio de responsabilidade limitada com fundamento no artigo 82 da LREF pela massa não é incompatível com a possibilidade de que essa postule, também, em face deles, eventual desconsideração da personalidade jurídica com fundamento no artigo 82-A da LFREF. Muito embora tais pedidos possam ter consequências assemelhadas – afetação do patrimônio pessoal do sócio -, possuem diferenças de regime jurídico sutis, mas importantes, de modo que se justifica que a Massa Falida possa optar entre um e outro, desde que presentes os pressupostos legais necessários” (Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Contracorrente, 2022, p. 517).

[9]  Falência – Incidente de desconsideração da personalidade jurídica – Deferimento da extensão dos efeitos da quebra – Interpretação do art. 50 do CC/2002, respeitado o rito especial previsto nos arts. 133 a 137 do CPC/2015 e conjugado o art. 82-A, parágrafo único da Lei 11.101/2005 – Frente ao prévio reconhecimento da responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica (primeiro pressuposto), ao reconhecimento da insuficiência do patrimônio da pessoa jurídica (segundo pressuposto) e à afirmação da fraude ou do abuso de direito (terceiro pressuposto), chega-se à desconsideração – Pressupostos presentes – Constatação do desvio de receitas de uma pessoa para outra – Confirmação da prática de ato ilegítimo e indicativo de confusão patrimonial ou utilização espúria da pessoa jurídica – Decisão mantida – Recurso desprovido.  (TJ-SP; Agravo de Instrumento 2118439-96.2024.8.26.0000; Relator (a): Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Barueri – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/07/2024; Data de Registro: 30/7/2024).

[10] “…a extensão da falência abrange os ex-sócios que tenham se retirado ou sido excluídos da sociedade há menos de 2 anos, desde que fossem ilimitadamente responsáveis pelas obrigações da sociedade. Hipótese, porém, em que o agravante não era sócio com responsabilidade ilimitada. O agravante, no exercício regular de direito, deixou a sociedade, a qual, por sua vez, não providenciou a regularização quanto à pluralidade então imposta em lei, tornando-se uma sociedade irregular. A responsabilidade pela regularização era da sociedade e do sócio remanescente, e não do sócio retirante, não sendo possível atribuir a ele responsabilidade social ilimitada. Ausência de confusão patrimonial ou abuso da personalidade jurídica em relação ao ora agravante, que justifiquem a desconsideração da personalidade jurídica em relação a ele. Recurso provido. (TJ-SP; Agravo de Instrumento 2115440-73.2024.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 11/09/2024; Data de Registro: 11/09/2024) (negritos nossos).

“…Entendimento (…) de que os efeitos da falência não podem ser estendidos aos sócios da empresa coexecutada, porquanto sua responsabilidade é limitada. Inteligência do 82-A da Lei de Recuperação e Falência, que prevê a possibilidade de extensão dos efeitos apenas aos sócios com responsabilidade ilimitada. Irresignação do Agravante, todavia, que deve se voltar àquele juízo. Decisão mantida. Recurso não provido. (TJ-SP; Agravo de Instrumento 2242898-73.2024.8.26.0000; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/08/2024; Data de Registro: 26/08/2024) (negritos e sublinhados nossos).

[11] CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. FALÊNCIA. EXTENSÃO DOS EFEITOS A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO ESPECÍFICA E INEQUÍVOCA DOS REQUISITOS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. (…) O tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. (…) Para ensejar a desconsideração da personalidade e a extensão da falência, seria necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o desvio da finalidade natural da empresa prejudicada. 5. Fatos assentados pelo acórdão recorrido que não configuram abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, pressupostos necessários, à luz do art. 50 do Código Civil, para a desconsideração das personalidades jurídicas das empresas envolvidas nas transações, a fim de justificar lhes fosse estendida a falência (…) (REsp n. 1.900.149/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 3/9/2024, DJe de 10/9/2024.) (negritos nossos).

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR FERNANDO CÉLIO DE BRITO NOGUEIRA

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