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REFORMA TRIBUTÁRIA E A RUPTURA COM O PASSADO

17 de outubro de 2024

Para que o novo sistema possa alcançar seus objetivos, temos que deixar claro o que não pode se perpetuar do antigo

Vive-se novamente a implementação de mais uma reforma em nosso ordenamento jurídico. Após as recentes reformas trabalhista e da Previdência, a reforma tributária – tão desejada ao longo de muitos anos e até então tida como utópica, por sua dificuldade de concretização e intrincada legislação – provou ser possível quando o cenário político se une em uma pauta prioritária.

Com objetivo maior de simplificação, a Emenda Constitucional 132 inicia um processo de transição para um novo sistema tributário, aclarando no texto constitucional os princípios norteadores da nova sistemática. Por meio da inclusão do parágrafo 3º ao artigo 145 passa-se a dispor que “o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente”. Princípios que se somam a outros importantes, como a segurança jurídica e a isonomia, formando um arcabouço principiológico do ordenamento pátrio.

A Constituição de 1988 deve ser sempre considerada em seu todo, numa interpretação sistemática, para promover a correta e necessária harmonização das normas e dar unidade ao ordenamento jurídico. Por isso, sempre que se promove reformas no texto constitucional surge o desafio de romper com interpretações e modus operandi de um passado que não pode mais se perpetuar no presente. Assim sendo, somente com a ruptura do antigo sistema tributário será possível que o novo concretize seus propósitos.

A reforma tributária tem agora o desafio de romper para prover. Quando se analisa as críticas ao atual sistema, inevitavelmente surge, em destaque, o argumento de sua complexidade. Mas o que torna nosso sistema tributário tão complexo?

O modelo federativo, que induz o relacionamento dos contribuintes com diferentes entes. A elevada carga tributária, por vezes ligada a atos de corrupção e consequente má gestão dos recursos públicos. As imperfeições legislativas, que desencadeiam dúvidas e dão causa ao contencioso tributário. As oscilações interpretativas dos tribunais com jurisprudência suscetível a fatores econômicos, sociais e políticos. São muitos os fatores que precisam ser levados em consideração e que não serão sanados com a mudança pura e simples da lei.

Nesse contexto, a resposta para esta intrigante pergunta pode estar na dificuldade que temos de romper com o passado e na facilidade que temos de manter estruturas e pensamentos e imprimi-los ao presente. Não é fácil virar a página e iniciar um novo sistema intacto ao passado. Por isso, é preciso refletir sobre a mais importante das reformas: a reforma do pensamento.

A reforma do pensamento envolve todos os sujeitos partes do sistema tributário – contribuintes, fisco, legislador e magistrados. Ela demanda uma mudança de pensamento que promova uma abertura de mentes capaz de romper com o passado e concretizar o novo. Mudam-se as mentes para se mudar os comportamentos. O novo sistema tributário necessita de uma postura mais estabilizadora da legislação e garantidora da segurança jurídica por parte do judiciário, de um legislador mais conhecedor do sistema e criador de leis claras e coesas, e de uma relação de respeito e transparência entre fisco e contribuintes.

Essa transição do antigo para o novo é crucial para que as promessas e objetivos expostos no texto constitucional sejam efetivamente alcançados. Toda transição é por si só desafiadora, mas carregada de potencial transformador.

Para uma maior compreensão dos desafios a serem enfrentados estabeleço aqui uma conexão com os processos de transição para a democracia que podem ocorrer numa classificação mais didática de duas formas, por ruptura ou por negociação. Quando se promove a ruptura mudanças estruturais tornam-se possíveis e o novo tem maiores chances de se desenvolver, encontrando terreno mais límpidos para crescer. Quando ocorre de forma negociada, muito do passado se impregna no novo sistema, com favorecimento a determinados grupos e permanência de legados que dificultam a concretização dos objetivos do novo sistema.

Do mesmo modo, deve-se levar em consideração que toda reforma promovida em um ambiente de déficit democrático, violações a direitos humanos e de enormes desigualdades sociais é ainda mais desafiadora. Essa é a realidade latino-americana, esta é a realidade brasileira, na qual a Constituição garante, mas essa dura realidade impede que direitos fundamentais sejam efetivados.

Nosso cenário tributário está imerso nesse contexto, em que a arrecadação pelo tributo é instrumento de concretização de direitos, mas isso não autoriza que a arrecadação se dê a qualquer custo. A arrecadação deve seguir estritamente os caminhos legais e sempre norteada pelos princípios constitucionais. Para que o novo sistema tributário tenha a oportunidade de se desenvolver e alcançar seus objetivos, temos que deixar claro aquilo que não pode se perpetuar do antigo sistema.

Estamos diante de um importante momento, com a possibilidade de utilização da reforma tributária como instrumento de fortalecimento democrático e de efetividade de direitos humanos. Momento este, que não pode ser manchado pelos legados desvirtuosos que impediram o antigo sistema de atingir seus objetivos, pois como nos ensinou John Maynard Keynes: “a verdadeira dificuldade não está em aceitar ideias novas, mas escapar das antigas”.

FONTE: JOTA – POR BRUNO BORGES

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