Mera ratificação de princípios implícitos?
O cenário da tributação brasileira foi recentemente marcado por profundas mudanças com o advento da reforma tributária, instituída pela promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, inovando em determinados aspectos e reafirmando outros, anteriormente implícitos.
Dentre as diversas alterações ocorridas no Sistema Tributário Nacional, destaca-se a inclusão do §3º no artigo 145 da Constituição Federal de 1988[1] (CRFB/88), no qual foram introduzidos os princípios gerais que deverão ser observados pela Administração Tributária, entre eles, o da transparência.
Este princípio – cuja nomenclatura possa ser talvez melhor pronunciada como um subprincípio (ou espécie), porquanto derivado do princípio da publicidade (gênero), previsto no artigo 37 da CRFB/88[2] – parece não refletir uma novidade na sistemática tributária, mas, sim, uma confirmação de um dos anseios da sociedade: o fortalecimento da relação fisco-contribuinte, pautado na clareza de informações sobre a forma de apuração, arrecadação, fiscalização e destinação dos tributos.
Assim, cabe-nos refletir acerca da implementação do princípio da transparência no Direito Tributário, em especial, sobre as possibilidades de sua aplicabilidade prática (ou não) como incentivo à relação entre o administrador público e o administrado.
Os princípios são denotados como diretrizes e orientações para a efetiva interpretação e aplicação das normas vigentes em determinado ordenamento jurídico, sendo construídos e aprimorados ao longo do tempo, refletindo, assim, os valores e objetivos de tais normas perante a sociedade.
Historicamente, a Constituição Federal previu, desde a sua promulgação em 1988, que a Administração Pública está obrigada a obedecer, entre outros, ao princípio da publicidade, como forma de assegurar a toda a sociedade o conhecimento dos atos administrativos, bem como para limitar a atuação do Poder Público.
Por sua vez, especificamente na esfera do Direito Tributário, já era possível inferir a existência do princípio da transparência na Constituição Federal, mesmo quando não inserido expressamente, dada a obrigação do fisco de publicizar seus atos (por determinação do artigo 37 da CRFB/88), e a necessidade de os contribuintes terem direito ao acesso à informação relativamente à forma de apuração e de recolhimento dos tributos.
Portanto, a criação do princípio da transparência pela EC 132/2023 reflete nada menos do que a aplicação específica do princípio da publicidade em âmbito tributário, na medida em que o princípio foi concebido para ampliar a compreensão dos contribuintes em relação às atividades estatais praticadas no contexto fazendário e vice-versa.
Contudo, a chegada da transparência fiscal surge acompanhada de algumas inquietações que nos parece pertinentes: se o princípio já era aplicado anteriormente ao advento da reforma tributária, ainda que implicitamente, por qual razão o legislador pretendeu inseri-lo no texto constitucional? E quais são os efeitos práticos de sua inclusão?
Um dos primeiros pontos a que se pode chegar para responder a estes questionamentos diz respeito à vontade do legislador de aproximar os sujeitos da relação tributária (fisco e contribuinte), que, por muitas vezes, enxergam-se como adversários nas discussões fiscais. Isto porque, em razão de sua previsão implícita no texto constitucional, não haveria que se cogitar uma “obrigação” do fisco em ser suficientemente claro e acessível para o contribuinte, o que, contudo, não ocorre com a previsão explícita do princípio da transparência na Constituição Federal.
Neste passo, o princípio da transparência sobreveio como forma de o legislador reafirmar e promover a cooperação entre tais sujeitos, ocasião em que a autoridade administrativa tributária deverá fornecer informações de fácil compreensão para o contribuinte, ao passo em que este terá de agir com total franqueza junto à Administração Pública, quando da fiscalização.
Assim, em um primeiro momento, tem-se que a inclusão da transparência fiscal no rol de princípios gerais da Constituição Federal exprime a ideia de tornar as atividades da administração tributária mais horizontais entre as partes – e, portanto, menos desiguais.
Já no que se refere aos aspectos práticos decorrentes da efetivação do princípio da transparência, é preciso considerar que, em muitas oportunidades, este deverá ser interpretado conjuntamente com o princípio da simplicidade tributária – ora instituído com o objetivo de tornar mais segura e menos complexa a interpretação acerca da apuração e recolhimento dos tributos, bem como das obrigações acessórias do contribuinte.
Sobre este ponto, é possível tomar como exemplo a inclusão do artigo 156-A na Constituição Federal de 1988 (que trata da instituição do Imposto sobre Bens e Serviços, de competência compartilhada entre os estados, Distrito Federal e municípios), destacando, em especial, o seu inciso XIII, segundo o qual, sempre que possível, o IBS terá seu valor informado, de forma específica, no respectivo documento fiscal.
A referida medida se revela como um fator simplificativo e, ao mesmo tempo, transparente, tornando mais prática a compreensão do contribuinte sobre o que e quanto se paga a título de tributo[3].
Neste mesmo sentido, destacam-se outros pontos passíveis de sujeição ao princípio da transparência ao longo de sua implementação, a saber: (i) a necessidade de ampliação do acesso às informações sobre os critérios utilizados pelo fisco quando do ato de apuração, fiscalização e arrecadação tributária; (ii) maior clareza na prestação de informações para o contribuinte quanto à destinação dos recursos públicos oriundos dos impostos, por meio do fornecimento de dados objetivos; e (iii) a integração/unificação dos sistemas de arrecadação tributária entre os estados, Distrito Federal e municípios.
É de se ressaltar, contudo, que as possíveis mudanças decorrentes da implementação do princípio da transparência fiscal, tidas como melhorias ao Sistema Tributário Nacional, devem estar alinhadas aos demais princípios e direitos fundamentais, não podendo se sobrepor ou prevalecer como um preceito absoluto, sob pena de violação a diversos direitos garantidos pela Constituição Federal.
Portanto, caso a implementação do princípio da transparência seja efetivamente cumprida, estar-se-á diante de mudanças potencialmente significativas no Sistema Tributário Nacional, sobretudo no que diz respeito à confiança na relação fisco-contribuinte – que, no entanto, devem levar em consideração os demais preceitos fundamentais.
Diante do que se extrai dos princípios gerais inseridos na Constituição Federal pela reforma tributária, tem-se que a inclusão do princípio da transparência, apesar de não representar inovação no Sistema Tributário Nacional, garante o acesso às informações detalhadas sobre apuração, arrecadação, fiscalização e destinação dos tributos, bem como fortalece a relação de confiança entre o fisco e o contribuinte.
Assim, acaso efetivamente implementado, o referido princípio reforçará a idealização de um sistema fiscal mais justo, equânime e eficiente para ambos os sujeitos da relação jurídico-tributária.
No entanto, é relevante analisar as hipóteses de implementação do referido princípio, alinhado à razoabilidade, de forma a evitar possíveis violações a princípios e direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.
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[1]
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…)
[2]
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[3]
Disponível em: <
https://borainvestir.b3.com.br/objetivos-financeiros/bernard-appy-reforma-tributaria-vai-trazer-transparencia-no-pagamento-de-impostos-mas-excecoes-elevam-o-valor-da-aliquota/
>. Acesso em: 01.08.2024
FONTE: JOTA – POR RICARDO MACIEL E JANSSEN MURAYAMA