Multa por descumprimento de nova portaria sobre o assunto pode chegar a R$ 100 mil em caso de reincidência e empregador pode perder incentivo fiscal.
A Portaria nº 1.707/2024 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), publicada na sexta-feira, veda que as empresas vinculadas ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) recebam qualquer tipo de deságio ou desconto sobre o valor contratado com fornecedoras de benefícios, como vale-refeição e vale alimentação.
Mas também esclarece que os programas e contratos ligados ao PAT não podem abranger benefícios vinculados à saúde do trabalhador que não estejam diretamente relacionados à saúde e segurança alimentar e nutricional.
Com isso, empresas que oferecem descontos, por exemplo, em academias de ginástica ou exames, no âmbito do PAT, precisarão atualizar a política interna. A nova norma impõe multa que pode chegar a R$ 100 mil na reincidência, além de cancelamento da inscrição no PAT, o que pode elevar a carga tributária da empresa.
Abaixo, o advogado especialista Fabio Medeiros, sócio do Lobo De Rizzo, responde sete questões sobre o tema:
1 – O que é o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT e quem se beneficia dele?
Fabio Medeiros: Em linhas gerais, o PAT abrange o oferecimento, pelo empregador aos seus trabalhadores contratados como empregados (regime CLT), de alimentação ou auxílios-alimentação (créditos para uso na rede referenciada para compra de alimentação e refeição), mediante requerimento de inscrição no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ao seguir a regulamentação imposta do MTE, os gastos dos empregadores com o PAT não são considerados salário ou remuneração para nenhum fim e os empregadores podem, atendendo os requisitos e limites legais, se aproveitar de benefícios especiais de dedução das despesas com o PAT na apuração do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas.
Em um contexto maior, o PAT representa um programa que beneficia a sociedade como um todo, na medida em que ele movimenta todo o setor de comércio e serviços voltado para refeições e alimentos no país.
2- Como funciona o mercado hoje? As empresas concedem aos funcionários benefícios vinculados ao PAT não relacionados à alimentação?
Fabio Medeiros: Atualmente é grande o número de empregadores, dos mais diversos setores e tamanhos, que se utilizam do PAT para o oferecimento de benefícios de alimentação e refeição para os seus empregados, na medida em que o oferecimento de alimentação in natura ou dos auxílios-alimentação em créditos para compras de refeições e alimentos, por ser isento de encargos trabalhistas, previdenciários e tributários, representa uma forma bem menos onerosa para a empresa e seus empregados em comparação com os pagamentos de natureza salarial.
A partir do final de 2021, entretanto, a legislação do PAT passou a expressamente vedar a possibilidade de os empregadores receberem qualquer tipo de deságio ou desconto sobre os valores contratos relativos ao PAT, ou de receberem outras verbas e benefícios, diretos ou indiretos, não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador, no âmbito do contrato firmado com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.
Assim, principalmente por causa dessas restrições, algumas entidades de alimentação coletiva passaram a usar como estratégia comercial o oferecimento de descontos ou cortesias para os empregadores em outros benefícios, interpretando os como ligados “à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador”. Mas alguns desses benefícios embora relacionados à saúde, não necessariamente tinham relação direta como a alimentação do trabalhador. É o caso de academias de esportes e determinadas situações abrangendo despesas com saúde e exames.
Empresas mais cautelosas consultaram seus assessores jurídicos e evitaram riscos de cancelamento de seus PAT quando havia dúvidas sobre a natureza de saúde e segurança alimentar dos benefícios indiretos que lhes eram oferecidos. Mas acreditamos que muitas outras, diante das teses de interpretação da legislação, assumiram os riscos no oferecimento desses outros benefícios não relacionados à alimentação.
3 – A partir de quando isso não será mais possível? O que as empresas precisam fazer em relação a funcionários, fornecedores e o governo?
Fabio Medeiros: Pode se dizer que pelo menos desde a edição do Decreto 10.854/2021, em 10.11/2021, a legislação já trazia expressamente essas vedações diretas ou indiretas de desvios de finalidade do PAT. De qualquer forma, com a publicação da Portaria 1.707/2024 em 11.10.2024, fica mais evidente a interpretação das autoridades trabalhistas a partir de agora.
As empresas, em nossa opinião, devem revisar seus contratos e benefícios com base na nova Portaria para identificarem as eventuais necessidades de ajustes, impactos em custos ou riscos relacionados ao passado. Esses entendimentos e verificações provavelmente deverão envolver seus fornecedores.
Em uma primeira análise, não é de se esperar impactos negativos para os empregados, pois a lei trabalhista proíbe alterações prejudiciais a eles em seus benefícios. Não há ações esperadas das empresas em relação ao governo, mas elas devem se preparar para as eventuais fiscalizações que já deverão considerar o contexto dessa nova Portaria.
3 – Se a empresa não aplicar o que diz a nova portaria será penalizada?
Fabio Medeiros: Além das multas, que podem chegar a R$ 100 mil em caso de reincidência no descumprimento da regulamentação do PAT, os gastos poderiam ser interpretados como salário ou remuneração em ações trabalhistas, gerando o risco de cobrança de reflexos em férias, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e aviso prévio indenizado. Além disso, a empresa pode ser autuada pela Receita Federal do Brasil e ter seus benefícios de dedução no imposto sobre a renda da pessoa jurídica glosados.
4 – Qual o impacto dessa media para as empresas de vale-refeição ou vale alimentação?
Fabio Medeiros: A análise de impactos deverá será muito particular por cada entidade de alimentação coletiva ou de benefícios ligados a esse fornecimento. Como as estratégias comerciais dessas entidades não são setoriais e as estruturas empresariais e modelos de atuação se diferenciam, é esperado que haja uma grande readaptação do mercado às novas regras, mas os impactos serão diferentes e dependerão de como elas estavam se posicionando perante os seus clientes em relação aos benefícios vedados pela nova Portaria.
5 – O reflexo da medida pode prejudicar os trabalhadores? Qual a orientação para eles?
Fabio Medeiros: Em uma primeira análise, não é de se esperar impactos negativos para os empregados, pois a lei trabalhista proíbe alterações prejudiciais a eles em seus benefícios. A expectativa das autoridades trabalhistas, a propósito, é de que os trabalhadores são os mais beneficiados com restrições como as da Portaria 1.707/2024, pois elas reduziriam desvirtuamentos do PAT, favorecendo a redução de custos em todo o sistema.
A principal intenção desse tipo de legislação é garantir que o valor total do benefício do PAT seja efetivamente destinado à alimentação dos trabalhadores, evitando que recursos sejam destinados para outros fins ou que empregadores ou intermediários se beneficiem financeiramente da operação do programa.
6 – Com a aplicação da portaria, haverá efeito sobre a carga tributária de empresas no PAT?
Fabio Medeiros: Não. Os efeitos tributários somente ocorreriam em caso de cancelamento do PAT ou descaracterização do PAT por desrespeito do empregador à regulamentação das autoridades trabalhistas ou tributárias.
7 – Existe algum projeto de lei que no futuro possa permitir uma aplicação mais ampla do PAT?
Fabio Medeiros: Não temos conhecimento de projetos dessa natureza.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LAURA IGNACIO — SÃO PAULO