Percentual de 150% deve ser aplicado apenas quando houver reincidência de sonegação.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, de forma unânime, que são inválidas as multas punitivas de 150% em processos tributários. Elas são aplicadas quando há sonegação fiscal, fraude ou conluio por parte do contribuinte. Prevaleceu o voto do relator, Dias Toffoli, que entendeu que o teto a ser adotado é o de 100% sobre o imposto devido.
O percentual de 150%, de acordo com o ministro, só deve ser aplicado quando houver reincidência da conduta sonegadora. É o que já prevê a Lei nº 14.689, de 2023, conhecida como Lei do Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
Apesar de já existir uma lei federal sobre o tema, esse limite agora deverá ser aplicado em todos os processos tributários — ou seja, valerá também para Estados e municípios. Segundo advogados, as chamadas multas qualificadas chegavam até a 200% ou 500% em alguns casos.
Para os contribuintes, esses percentuais têm caráter confiscatório, o que é vedado pelo artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal. Argumentam também que a penalidade é acessória à obrigação principal, portanto, não pode ultrapassar o valor do tributo.
O resultado do julgamento foi visto como uma vitória tanto pelos contribuintes quanto para a Fazenda Nacional. Isso porque desde a Lei do Carf esse percentual de 100% (e de 150% quando há reincidência) já é adotado nas ações fiscais da União. E quando houve a edição do novo dispositivo legal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) adaptou o percentual das penalidades que ultrapassavam esse patamar, segundo a procuradora que atua no caso, Luciana Miranda Moreira.
O processo analisado pelos ministros chegou ao STF em 2013, por um recurso de uma empresa contra um acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que havia considerado a multa de 150% válida. Para o TRF-4, deveria se levar em conta o comportamento doloso do contribuinte. No STF, a empresa pedia a redução do percentual para 30%, o que não foi acatado. Ela foi multada em R$ 14,5 milhões por não ter pago devidamente tributos federais referente aos anos de 2001 e 2002.
A discussão no STF começou no Plenário Virtual, em abril de 2023, mas foi levada para o plenário físico por um pedido de destaque do ministro Flávio Dino. Para o relator, o ministro Dias Toffoli, o percentual de 100% é o que deve ser o adotado até que uma lei complementar sobre o tema seja editada.
Os ministros definiram a seguinte tese: “Até que seja editada lei complementar federal sobre a matéria, a multa tributária qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio limita-se a 100% do débito tributário, podendo ser de até 150% do débito tributário caso se verifique a reincidência definida no artigo 44, parágrafo 1-A, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 14.689/23” (RE 736090 ou Tema 863).
O Supremo também definiu que a decisão deve valer retroativamente, desde que a Lei do Carf entrou em vigor — isto é, 20 de setembro do ano passado. Ficam mantidos os patamares atualmente fixados pelos demais entes da federação até o limite da tese e ressalvadas as ações judiciais e os processos administrativos pendentes de conclusão até a data de publicação da legislação.
No voto, Toffoli ressaltou que a multa tributária faz parte da obrigação de se pagar o tributo. E que estabelecer um patamar baixo “faz com que as multas percam a razão de existir, não tendo força para reprimir e inibir o comportamento dos agentes que atuam para infringir a lei”. Já um patamar elevado, acrescentou, poderia configurar um efeito confiscatório, o que é vedado pela Constituição.
Ele defendeu que a lei complementar crie um percentual gradativo para a multa punitiva, “como uma dosimetria da pena na área tributária”. E lembrou que o PLP nº 124/2022, em tramitação no Congresso Nacional, propõe essa mudança. “Até que o Congresso disponha sobre a matéria, considero razoável a adoção dos parâmetros previstos na lei federal para multa qualificada em discussão”, disse.
Para a procuradora Luciana Miranda Moreira, a decisão do Supremo foi positiva e não impacta as ações fiscais federais. “Foi uma vitória porque o tribunal entendeu que nossos patamares são tão bons e tão proporcionais e adequados que podem servir de parâmetro para os Estados e municípios”, afirmou.
Luciana lembra que na época da edição da Lei do Carf foi emitido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) um parecer, de nº 3.950/2023, adotando o patamar de forma retroativa para os processos em andamento. “Elas [as multas punitivas] são cuidadosamente apuradas pela Receita e quando são lavradas é porque realmente a situação é muito grave”, disse ela, mencionando que a decisão do STF “reconhece que condutas graves têm que ser punidas também com a mesma gravidade”.
Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos, representante da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) no caso, que é parte interessada, afirma que o julgamento foi benéfico para os contribuintes por reconhecer a vedação ao confisco. “Definiu-se um parâmetro relevante de que multas punitivas acima de 100% do valor do tributo são confiscatórias, o que é relevante e objetivo.”
Ele também concorda com a proposta de Toffoli de se editar uma lei complementar sobre o tema. “É uma inovação, porque ele propôs que haja uma lei complementar nacional que defina os parâmetros de aplicação de agravamento ou atenuação de multas tributárias por todos os entes federativos. Isso, de fato, seria um marco civilizatório das multas”, diz.
Vasconcelos lembra que outros casos no STF discutem o limite de outros tipos de multa, como o das moratórias (Tema 816), por atraso no pagamento de imposto, e o das de ofício, por descumprimento de obrigação acessória (Tema 487). Há a ainda o debate sobre as multas punitivas não qualificadas ultrapassarem 100% (Tema 1195).
O tributarista Vitor Verissimo Borges, associado ao Henares Advogados, afirma que a decisão se alinha com outros julgados do STF que cancelaram multas punitivas de 500% e 300% do valor da operação (ADI 551 e ADI 1.075). Ele elogiou o complemento dado pelo ministro Flávio Dino, de vedar que entes da federação alterem os percentuais hoje previstos. “Para evitar a guerra fiscal, é necessário tratar esses percentuais como piso e não como teto, preservando as próprias leis dos entes.”
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — SÃO PAULO