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AVENTURAS FISCAIS: O IPTU E A COSIP NO PAÍS DA REFORMA

27 de setembro de 2024

Com um período de transição tão longo, não seria surpresa se as cartas mudassem de novo no meio do jogo. E quem sabe um novo fenômeno possa surgir, como a fusão ou extinção de municípios

“Quem é você?”, perguntou a Lagarta. “Eu… Eu mal sei, senhor”, disse Alice. “Mudei tantas vezes desde esta manhã que já não sei mais!” – Alice no País das Maravilhas.

Dizem que o diabo está nos detalhes, mas talvez a graça também resida neles. E em meio à mais extensa mudança do sistema tributário nacional, o que quase passou despercebido foram algumas alterações que podem realizar antigos desejos dos municípios. Assim como Alice, que, ao cair pela toca do coelho, descobriu um mundo cheio de peculiaridades, os municípios agora encontram novas regras a explorar. Entre elas, destacam-se duas: a possibilidade de o Poder Executivo atualizar a base de cálculo do IPTU; e a transformação da Cosip, a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública, que alguns já começaram a chamar de “Supercosip”.

O cenário concreto dos municípios após a reforma ainda é nebuloso. Eles perdem uma autonomia tributária, muitas vezes mal exercida em relação ao ISSQN, e ganham um papel incerto quanto ao IBS.

Teremos um longo período de transição que durará até 2077. E quando isso terminar, muitos de nós, agora ocupados com a reforma, já teremos passado dessa para melhor. Até lá, boa parte da arrecadação do IBS será distribuída com base na receita média dos municípios, conforme os anos-base de 2019 a 2026, de acordo com o artigo 127, parágrafo 2º, I do PLP nº 108/2024. Ou seja, antes que se consolide a tributação no país de destino, haverá um longo período em que a arrecadação do presente influenciará na arrecadação futura.

Obviamente, com um período de transição tão longo, não seria surpresa se as cartas mudassem de novo no meio do jogo. E quem sabe um novo fenômeno possa surgir, como a fusão ou extinção de municípios para viabilizar estruturas administrativas mais enxutas e receitas suficientes. Talvez.

Enquanto isso, o IPTU e a Cosip ganham novos contornos que podem ser explorados para mitigar o cenário de incerteza quanto às receitas municipais derivadas do consumo durante a transição.

Nesse sentido, a revisão da relação do IPTU traz à tona uma antiga discussão doutrinária e judicial, que teve seu desfecho na emenda constitucional da reforma. Durante anos, discutiu-se se a planta genérica de valores poderia ser atualizada por meio de decreto, dando origem à Súmula 160 do STJ, segundo a qual o município estaria restrito aos limites de um índice oficial de correção monetária para atualização do IPTU.

Com a prerrogativa de ser o último a errar, o Judiciário engessou algo que é dinâmico por natureza: o valor dos imóveis. Com a reforma, passa a ser dada ao Poder Executivo a atribuição de, dentro dos parâmetros definidos em lei, atualizar a base de cálculo dos imóveis. Parece simples, mas cadastrar imóveis, atribuir-lhes proprietários, indicar suas características passíveis de avaliação para fins de definição de valor, em um país onde a regulação imobiliária ainda é muito deficitária e enfrenta imensa resistência social, não é tarefa fácil, tampouco barata.

No campo da Cosip, também se observa um desfecho para uma velha contenda com a reforma do texto constitucional. Sendo a iluminação um serviço público coletivo, de potencial benefício para todos, poderia ser financiado pelas receitas oriundas de ITBI, IPTU e ISSQN, encaixando-se ainda em eventual majoração da arrecadação desses tributos, seja pelo aumento da eficiência fiscalizatória, ajustes na base de cálculo ou elevação de alíquotas.

Entretanto, muitos municípios, em tempos passados, tentaram financiar a iluminação pública por meio de taxas, mas logo se depararam com a inconstitucionalidade dessa prática. A solução? Uma contribuição de iluminação pública, a Cosip, um tributo saído da cartola das necessidades e, portanto, impossível de ser enquadrado nas típicas figuras tributárias. Trata-se de um tributo mais palatável. Tem um nome mais agradável: contribuição. A entidade responsável pela arrecadação também é mais discreta: a concessionária de iluminação pública.

Mas a Cosip também enfrentou desafios, especialmente quando os municípios perceberam que auditar a arrecadação realizada pelas concessionárias de iluminação pública era complicadíssimo. E em relação à receita obtida, sendo esta superavitária, o engessamento dessa receita – vinculada exclusivamente à iluminação pública – fez com que o feitiço virasse contra o feiticeiro. O que mais fazer com o recurso? Nada, afinal, era recurso carimbado. Agora, a Supercosip se apresenta como uma resposta ao engessamento dessa receita, permitindo que sua arrecadação seja destinada a funções novas e interessantes, como o monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos. E quem sabe, com esse recurso extra, algo inesperado possa florescer: a qualidade – tão deficitária no Brasil – dos espaços públicos.

Entre a aprovação da emenda constitucional e a discussão dos PLs, estudar a reforma tributária e desenhar cenários concretos têm sido um pulo cheio de possibilidades, mas também de vazios. O destino da reforma, sua natureza real e profunda, revelar-se-á ao longo dessa queda ou salto no futuro. E caberá aos municípios, diante de tantas incertezas, serem as rainhas das cartas que lhes foram atribuídas.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR PILAR COUTINHO

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