O julgamento do Tema 372 pelo Supremo não representou uma modificação da jurisprudência pretérita. Ao contrário, a Corte a ratificou.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o RE 609096/RS (Tema nº 372), oportunidade em que fixou a tese de que, em relação aos bancos, deve-se entender por faturamento – como base de cálculo do PIS/Cofins à luz do regime cumulativo previsto na Lei nº 9.718/98 – a somatória de suas receitas operacionais, que advém da atividade bancária típica, o que, por via de consequência, inclui suas receitas financeiras.
Na esteira dessa definição dada pelo Supremo, dotada tanto de vinculatividade como de aplicabilidade imediata, consoante firme jurisprudência daquela Corte (AgR ARE 930647, rel. min. Roberto Barroso, julgado em 15/03/2016), a Fazenda Nacional passou a requerer a retomada da tramitação dos processos sobrestados pelo Tema nº 372, no afã de que estes fossem enfim julgados conforme a decisão do STF, com o expresso reconhecimento de que os bancos, sob o regime da Lei nº 9.718/98, não poderiam se eximir do recolhimento do PIS/Cofins sobre suas receitas financeiras operacionais, à diferença do que os bancos sempre sustentaram.
Todavia, recentemente foi determinado um novo sobrestamento desses processos judiciais, acolhendo a justificativa de que existe a probabilidade de modulação temporal dos efeitos do julgamento do Tema nº 372, em razão de pedido nesse sentido deduzido em sede de embargos de declaração, ainda pendentes de análise no STF.
No entanto, afigura-se completamente descabida a modulação temporal dos efeitos do julgamento do Tema 372, já que a modulação é medida excepcional, só admissível em casos nos quais o STF altera jurisprudência sedimentada, inclusive, a exarada pelo STJ em recursos repetitivos, frustrando uma legítima expectativa de direito criada judicialmente para o jurisdicionado, o que, definitivamente, não se verifica nesse caso.
Para fundamentar a pretensão de excluir as receitas financeiras da base de cálculo do PIS/Cofins, sob o pálio da Lei nº 9.718/98, os bancos sempre se escoraram na definição literal de faturamento contida no artigo 2º da LC nº 70/91, como correspondente ipsis litteris à receita da venda de bens e/ou de prestação de serviços.
Partindo-se dessa conceituação restritiva de faturamento, os bancos sustentavam que as receitas financeiras da atividade de intermediação bancária não se originavam da prestação de serviços, de sorte que não poderiam ser classificadas como parcela integrante de seu faturamento, estando, assim, a salvo da incidência do PIS/Cofins.
Propositadamente ou não, esqueceram-se os bancos de que, antes da Lei nº 9.718/98, já existiam precedentes do STJ superando a mera literalidade do artigo 2º da LC nº 70/91, esposando a interpretação expansiva de que o faturamento deveria compreender a receita operacional do contribuinte, independentemente de se originar restritivamente da prestação de serviços ou de venda de mercadorias. Esse entendimento, portanto, já deslegitimava a pretensão dos bancos de não enquadrar suas receitas financeiras operacionais como faturamento.
Precedentes datados de mais de 15 anos, tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça, interpretam o conceito de faturamento como sendo o resultado do exercício da atividade empresarial, ao revés do sentido restritivo que as instituições financeiras advogam em juízo.
No AgRg no RE 371258/SP, julgado em 3 de outubro de 2006, de relatoria do ministro Cezar Peluso, a Suprema Corte entendeu que, na atividade de locação de bens imóveis, “o conceito de receita bruta (…) envolve não só aquela decorrente da venda de mercadoria e da prestação de serviços, mas a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais”.
Em igual sentido, relativamente à atividade de locação de bens móveis, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 929521/SP, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, julgado em 23 de setembro de 2009, de relatoria do ministro Luiz Fux, entendeu que a definição de faturamento/receita bruta não pode ser dissociada do “resultado mesmo da atividade econômica empreendida pela empresa”.
Ademais, no precedente que reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98 (RE 390840/MG, rel. min. Marco Aurélio, julgado em 09/11/2005), o qual promoveu o alargamento da base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins na sistemática cumulativa, o Supremo Tribunal Federal também compreendeu o conceito de faturamento como a receita operacional da sociedade. Especificamente no voto do ministro Carlos Aires Brito, constou que faturamento corresponde “àqueles ingressos que decorrem da razão social da empresa, da sua finalidade institucional”.
Em outras palavras, a incidência das contribuições se dá sobre o resultado das atividades operacionais, decorrentes da exploração do objeto social da empresa, não se restringindo à venda de mercadorias e/ou à prestação de serviços, o que torna cabível a tributação sobre o resultado das atividades financeiras operacionais dos bancos.
Vê-se aí, em arremate, que o julgamento do Tema nº 372 pelo Supremo não representou uma modificação da jurisprudência pretérita, cujos fundamentos já colidiam com o intento dos bancos de não recolherem PIS/Cofins sobre suas receitas financeiras operacionais. Ao contrário, o Supremo a ratificou. É justamente por isso que os bancos nunca tiveram a legítima expectativa de êxito judicial em sua tese, o que, portanto, desautoriza a modulação dos efeitos do julgamento desfavorável proferido no Tema nº 372.
Márcio Crejonias e Mariana Ratzka são procuradores da Fazenda Nacional na Divisão de Acompanhamento Especial (Diaes) da Procuradoria da Fazenda Nacional da 3ª Região (São Paulo)
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MÁRCIO CREJONIAS E MARIANA RATZKA