Quando bem formulada, a cláusula de “non-compete” é um mecanismo contratual poderoso para proteger segredos empresariais e fortalecer a competitividade
A cláusula de não concorrência, ou “non-compete”, é uma ferramenta contratual frequentemente utilizada por empregadores para proteger seus negócios da concorrência desleal após o término do contrato de trabalho. Sua aplicação, no entanto, envolve uma análise cuidadosa dos prós e contras, bem como dos riscos legais de sua ineficácia.
A principal vantagem da cláusula de não concorrência para o empregador reside na proteção de informações confidenciais e segredos comerciais, resguardando o “know-how”, conhecimentos e técnicas específicos empregados no negócio. Isso impede que um ex-empregado utilize o conhecimento adquirido em outra empresa concorrente, mantendo a competitividade e a integridade dos negócios, além de proteger os investimentos feitos na formação e qualificação do trabalhador, evitando que esse conhecimento seja utilizado para fortalecer um concorrente direto.
A validade e a eficácia de uma cláusula de “non-compete” dependem do cumprimento rigoroso de requisitos legais específicos. Em diversas jurisdições, inclusive no Brasil, a cláusula só será considerada válida se atender a critérios de razoabilidade quanto à duração, extensão geográfica e compensação financeira ao empregado, por ser uma restrição ao direito fundamental ao trabalho e à livre concorrência. Se esses critérios não forem atendidos, há um risco significativo de que a cláusula seja anulada na Justiça, especialmente se for considerada excessivamente restritiva ou injusta.
Do ponto de vista do trabalhador, a cláusula de não concorrência pode representar um significativo obstáculo para o desenvolvimento da carreira. A restrição de atuar em sua área de especialidade por um período determinado pode limitar severamente suas oportunidades, especialmente em setores altamente especializados, podendo enfrentar dificuldades em se recolocar no mercado de trabalho, sobretudo se a área geográfica abrangida pela cláusula for extensa ou se a compensação financeira oferecida não for adequada.
A restrição de exercer sua profissão pode levar o trabalhador a aceitar posições fora de sua área de especialização ou até mesmo a mudar de setor, afetando negativamente sua trajetória profissional e financeira.
Para que uma cláusula de “non-compete” não seja considerada abusiva, é essencial que ela seja proporcional e justificada por um legítimo interesse do empregador em proteger seu negócio. É fundamental equilibrar a proteção do negócio com os direitos do trabalhador, evitando que a cláusula seja usada como um meio de impedir a concorrência justa, sem uma justificativa sólida, como a proteção de segredos comerciais ou industriais.
O empregador deverá se valer do princípio da boa-fé e da razoabilidade na aplicação da cláusula de não concorrência, negociando-a com cautela e de forma justa, garantindo que ambas as partes entendam as implicações e os direitos envolvidos, abstendo-se de qualquer tentativa de abuso que possa impor restrições excessivas ao trabalhador, sob o risco de ser considerada ilegal ou de ser obrigado a indenizar o trabalhador, ainda que a relação contratual não comporte risco ao negócio.
Embora a legislação trabalhista não tenha regras específicas sobre o assunto, qualquer alteração unilateral que prejudique o trabalhador, como a revogação da cláusula sem compensação adequada, pode ser considerada uma violação do contrato, conforme estabelecido pelo artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Em acórdão publicado em agosto de 2024, processo nº 11601-64.2013.5.01.0205, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) declarou inválida a decisão de uma empresa que havia renunciado a execução da cláusula, liberando o trabalhador da obrigação de não concorrência. Na oportunidade, a Corte entendeu que, apesar de se estar diante de expectativa de direito, a cláusula “impõe obrigações recíprocas, livremente estipuladas pelas partes”, integrando o contrato de trabalho e não podendo ser unilateralmente alterada, sob pena de “flagrante prejuízo ao empregado, o qual deixou de receber a indenização convencionada”.
Com a decisão, o TST reforçou a validade da “cláusula de barreira” por meio da aplicação plena do princípio “pacta sunt servanda”, segundo o qual o contrato obriga as partes nos limites da lei, em detrimento ao princípio da liberdade do trabalho e à livre iniciativa, preceitos assegurados nos artigos 5º, XIII, e 170, IV, da Constituição Federal, desconsiderando o impacto negativo de deixar o trabalhador ficar fora do mercado de trabalho. Na decisão, destacou-se a inexistência de cláusula que preveja a renúncia da cláusula de não concorrência.
À medida que a legislação trabalhista prevê a livre pactuação das cláusulas contratuais, desde que respeite as disposições legais, coletivas e as decisões das autoridades competentes, conforme estabelece o artigo 444 da CLT, é importante destacar que, ao ser estipulada, a cláusula de não concorrência não poderá sofrer alteração, a não ser por mútuo acordo e desde que não resulte em prejuízos ao empregado.
Dessa forma, quando bem formulada, a cláusula de “non-compete” é um mecanismo contratual poderoso para proteger segredos empresariais e fortalecer a competitividade. No entanto, sua aplicação, ainda que inserida na esfera de interesses privados dos contratantes, deve respeitar as regras de proteção ao trabalho, equilibrando os interesses do empregador e os direitos do empregado, sob pena de ser considerada ilegal e ineficaz, causando prejuízos a ambas as partes. Assim, a cláusula deve ser elaborada com prudência, sempre com vistas ao equilíbrio e à justiça entre as partes envolvidas.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR RÉGIS BENANTE RIBEIRO