Nos últimos anos, enquanto o volume de processos levados às câmaras arbitrais aumentou, o valor médio das causas caiu.
Dados revelam que a arbitragem pode estar se popularizando e passando a ser adotada também por empresas de médio porte. Nos últimos anos, enquanto o volume de processos levados às câmaras arbitrais aumentou, o valor médio das causas caiu, segundo estudo realizado pela Câmara Brasileira de Arbitragem (CBAr) e FTI Consulting, que traz as vantagens desse método alternativo em relação ao Judiciário.
O estudo tem como uma das principais fontes de dados o levantamento “Arbitragem em Números”, coordenado pela advogada e professora Selma Lemes. A última edição aponta um aumento de 31% das arbitragens em andamento nas oito maiores câmaras de arbitragem entre 2007 e 2022, o que equivale a um crescimento médio de 5% ao ano.
Mostra ainda que, em 2022, os 336 novos casos que chegaram às câmaras arbitrais tinham valor médio de R$ 118 milhões cada. Esse montante corresponde a cerca de metade do valor médio dos casos iniciados na arbitragem em 2017 – que era de R$ 238 milhões.
Desde 2002, o volume de novos casos vem crescendo cerca de 11% ao ano, segundo dados consolidados pela CBAr e pela FTI Consulting. Esse levantamento leva em conta apenas as três câmaras arbitrais que divulgam publicamente esse tipo de estatística no país: a CAM-B3, a CAM-CCBC e a Ciesp/Fiesp. Em 2002, o volume de casos arbitrais era simbólico, de apenas 20 processos. Já em 2022, o último ano contabilizado, 171 novos processos foram apresentados às câmaras.
Para a CBAr e a FTI Consulting, o crescimento no volume de casos e a redução do valor médio de cada um deles indicam uma tendência de ampliação da arbitragem, com maior acesso de determinados segmentos e menor concentração em grandes disputas.
Leonardo Florencio, senior managing director de economic consulting da FTI Consulting, afirma que é difícil calcular se o valor médio das causas, no patamar atual, atingiu uma espécie de “piso”, já que a compilação desse tipo de dado ainda é muito recente, e os levantamentos não abrangem todas as câmaras arbitrais.
Nesse contexto, uma pesquisa conduzida em 2021 por Heitor Sica, professor de Direito Processual na USP, e Wilson Pimentel, advogado e professor de Direito Processual Civil na FGV Direito Rio, mostra que a arbitragem é economicamente vantajosa para casos de mais de R$ 10 milhões, com a partir de 10% de chance de êxito no litígio. Para casos acima de R$ 50 milhões, aponta a pesquisa, a arbitragem sai mais barata do que o Judiciário, tanto para a parte vencedora quanto para a perdedora.
A explicação, segundo os pesquisadores, está no fato de que, no Judiciário, algumas despesas são irrecuperáveis – só aumentam conforme a duração do processo. “O Judiciário tende a ter um prazo médio de duração do processo muito mais longo, o que naturalmente acaba gerando custos por mais tempo. Só essa questão temporal pode tornar o Judiciário a alternativa mais cara”, afirma Leonardo Florencio.
As custas nos dois tipos de processo também passam a impressão de que a arbitragem é um procedimento necessariamente mais caro, mas, diz Wilson Pimentel, considerando o custo global das operações, o cenário muda. De acordo com ele, a primeira diferença é que nos processos judiciais os honorários contratuais jamais são reembolsados, enquanto na arbitragem é possível pactuar esse ressarcimento.
Além disso, na Justiça, acrescenta, quem perde arca com os honorários de sucumbência, que representam de 10% a 20% do valor da causa, o que pode atingir patamares exorbitantes em causas de alto valor e complexidade.
“A impressão de que a arbitragem é mais cara se deve à comparação entre o quanto cobram as câmaras e os árbitros em relação ao que os tribunais cobram”, afirma Pimentel. “Mas se somar os custos totais, até o final do processo, a arbitragem sai mais barata em conflitos de a partir de R$ 500 mil, R$ 1 milhão”, estima.
A popularização recente da arbitragem entre empresas de médio porte também pode estar ligada, conforme Heitor Sica, a uma estratégia de câmaras arbitrais mais novas de reduzir os custos globais dos processos, justamente para atrair atores deste segmento.
“Antigamente, as câmaras mais consolidadas eram internacionais, cobravam em dólares, com taxas e remunerações de árbitros mais altas. E hoje há novas câmaras que surgiram com essa proposta, de pagar um pouco menos para os árbitros para se consolidar como uma opção mais barata”, afirma Sica, que atua como árbitro em mais de uma câmara. “Tenho visto com alguma frequência litígios de cerca de R$ 1 milhão sendo levados para a arbitragem, coisa que não acontecia até cinco anos atrás.”
Apesar de todo o crescimento, a possibilidade de questionamento judicial da sentença arbitral ainda assombra os interessados em testar uma alternativa. Um estudo conduzido pela FGV, com resultados divulgados em junho, mostrou contudo, que, nos recursos dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Corte manteve a sentença arbitral em 68,9% dos pedidos. Em 13,1% dos processos, a sentença foi integralmente anulada; em 8%, foi parcialmente anulada. Os demais 10% dos casos tratavam de outras questões.
A advogada e professora Selma Lemes avalia que esse grau de questionamento está em consonância com o que já acontece no Judiciário. “A previsão de questionamento judicial faz parte do sistema, já que não há possibilidade de recurso no próprio procedimento arbitral. E funciona assim no resto do mundo.”
Mas, segundo ela, fora das hipóteses de impugnação do artigo 32 da Lei da Arbitragem (nº 9.307, de 1996), as sentenças arbitrais costumam ser elogiadas pelos magistrados especializados, como os das Câmaras de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua qualidade técnica e profundidade jurídica.
O risco de que uma maior penetração da arbitragem traga com ela todos os problemas hoje enfrentados pelo Judiciário não preocupa os especialistas. Segundo dados do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cada magistrado brasileiro julgou, em 2023, uma média de 2.063 processos, o que se traduz em 8,6 casos por dia útil. Na arbitragem, cada árbitro costuma cuidar, em média, de 6 processos por vez, segundo as estimativas do CBAr e da FTI Consulting.
“Ainda que a arbitragem se popularize muito e o número de casos por árbitro dobre ou triplique, o volume ainda será infinitamente menor do que aquele a que os juízes têm de se dedicar”, diz Florencio. “É preciso cuidado para não incorrer nos mesmos problemas do Judiciário, mas a arbitragem ainda tem espaço para crescer.”
De acordo com Selma Lemes, a acomodação é inevitável, porque o próprio Judiciário, sobrecarregado, precisa de ajuda para lidar com o atual volume de processos. Mas, para ela, questões societárias, de infraestrutura, devem continuar sendo direcionadas para a arbitragem, e litígios de menor complexidade econômica, para outros canais mais adequados, como mediação ou conciliação. “É preciso ressignificar o papel do Judiciário, priorizar outras coisas. O protagonismo da atuação estatal deve ser para litígios específicos”, defende.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI — DE SÃO PAULO