Impacto da tese para o governo é de R$ 49,9 bilhões, segundo estimativa da Receita Federal.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reiniciou, ontem, o julgamento de duas ações que vão definir se as alíquotas do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) podem ser livremente reduzidas pelo governo federal. O placar está em 3 a 2 a favor da União, que prevê impacto de R$ 49,9 bilhões em caso de derrota. O valor consta no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o ano de 2025.
O Reintegra foi criado em 2011, pela Lei nº 12.546, com o objetivo de estimular as exportações com o reembolso de parte da carga tributária sobre produtos manufaturados. Inicialmente, foi previsto que a alíquota do crédito sobre a receita com vendas ao exterior iria variar entre 0,1% e 3%. Porém, decretos posteriores reduziram o percentual máximo. Desde 2018, está em 0,1%.
A discussão se baseia no artigo 22 da Lei nº 13.043/2014, que restabeleceu o programa, permitindo ao governo calibrar a parcela a ser recuperada pelas exportadoras. As sucessivas reduções, que levaram ao patamar de 0,1%, porém, motivaram a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto Aço Brasil a buscar o Supremo. Para eles, o Executivo pode alterar o percentual do crédito, mas não pode reduzi-lo sem justificativa relevante. Violaria, dizem as empresas, os princípios constitucionais da não exportação de tributos, da livre concorrência e da proporcionalidade (ADI 6040 e 6055).
Votação
O relator, ministro Gilmar Mendes, não acatou os argumentos das empresas. Ele reafirmou seu voto do Plenário Virtual e foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, que também mantiveram as manifestações anteriores.
Segundo Mendes, o Reintegra é uma política pública de incentivo à exportação, que tem uma natureza jurídica diferente das imunidades à exportação, garantidas pela Constituição Federal. “Enquanto aquelas incentivam qualquer tipo de produto ou serviço destinado ao exterior, o Reintegra incentiva a indústria nacional, uma vez que o creditamento só ocorre em relação a bens objeto de industrialização atendidas às condições estabelecidas em lei”, afirmou.
Na visão dele, o Reintegra é equiparado a um benefício fiscal, portanto, as alíquotas podem ser livremente alteradas pelo governo. O ministro ainda levou em conta, ao declarar a constitucionalidade da lei, “a importância do incentivo das exportações para o desenvolvimento nacional”.
Já o ministro Fux, que havia interrompido a análise em 2022 por um pedido de destaque — o que levou a discussão ao plenário físico —, divergiu por entender que não é possível exportar tributos. A nova metodologia do Reintegra, disse, aumenta a carga tributária. Ele foi acompanhado pelo ministro Edson Fachin. O julgamento foi suspenso e pode retornar à pauta na próxima quinta-feira.
A nova metodologia do programa, afirmou Fux, “pode trazer prejuízo para a economia nacional”. “Essa modificação vai na contramão dos documentos transnacionais que o Brasil assinou, porque há majoração tributária”, disse o ministro. “Efetivamente, vai influir no preço da exportação e, automaticamente, vai contradizer aquilo que o Brasil se comprometeu nos tratados internacionais”, completou.
O que defendem as empresas e a União
Essa foi a linha defendida pelos representantes do setor privado, que pediram, na sustentação oral, a inconstitucionalidade o artigo 22 da lei de 2014, por ter criado distorções no Reintegra. “Ele vem sendo tratado como se mero benefício fiscal fosse, com manipulações de alíquotas e sem nenhuma relação com o resíduo tributário acumulado ao longo da cadeia”, afirmou a advogada Daniella Zagari, sócia do Machado Meyer, que representou o Instituto Aço Brasil no caso.
De acordo com ela, o programa hoje prejudica a competitividade do Brasil e desrespeita acordo firmado pelo Brasil com a Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela pede a aplicação dos precedentes do Supremo que decidiram pela imunidade das receitas de exportação, previsto no artigo 49 da Constituição Federal (ADI 4735 e Tema 674).
O advogado Gustavo do Amaral Martins, da CNI, disse que o tratamento dado ao programa recentemente prejudica o investimento no Brasil. E que a CNI não está defendendo as siderúrgicas, mas a indústria como um todo. “Uma indústria brasileira que não é capaz de concorrer lá fora vai tentar se valer de não ter a concorrência aqui dentro”, afirmou. Para ele, as reduções dos percentuais devem levar em conta decisões técnicas “não simplesmente por mera conveniência e oportunidade”.
Para a representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Patricia Grassi Ozório, a tese dos contribuintes causa “perplexidade”. Tentou-se, disse, misturar regimes tributários de imunidade com os custos dos produtos fabricados a serem exportados. “A imunidade tributária nas exportações não se estende a toda a cadeia produtiva”, afirmou ela, acrescentando que isso provocaria uma “total e irrestrita desoneração” e “não é isso que temos na Constituição”.
A procuradora disse que o STF já admitiu a possibilidade de redução das alíquotas do Reintegra, no Tema 1108, em que ainda vai se analisar a aplicação da anterioridade. “A premissa para se aplicar ou uma ou outra é que a redução é possível”, argumentou. Ela também defendeu que a lei define critérios para o parâmetro da redução, com um mínimo e máximo, delegando ao governo federal a decisão de calibrar as alíquotas “a depender da conjuntura econômica”. “Não há nenhuma deficiência nessa delegação.”
Análise
Na visão do advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, se não for possível retirar os resíduos tributários da cadeia, os produtos brasileiros terão menos competitividade no exterior. “O problema são os sucessivos decretos estarem impedindo que os exportadores tenham acesso ao limite de 3%”, diz ele. “Essa variabilidade, ainda que dentro do patamar, causa instabilidade econômica grave”, adiciona Conde.
O voto de Gilmar Mendes, ao equiparar o Reintegra a uma subvenção e não a uma imunidade tributária, afirma, prejudica as empresas. “Quando se fala em imunidade, se fala em cláusula pétrea, é uma barreira constitucional ao poder de tributar.” O tributarista Bruno Teixeira, sócio do TozziniFreire Advogados, concorda com o voto de Fux, que evita a exportação de tributos. “O que não se quer é fazer com que uma jurisdição pague um tributo que não seja revertido em favor dela”, afirma.
Segundo ele, a alíquota de 3% só ficou no início do programa, pois logo em 2016 já foi reduzida para 1%. Em 2017, ficou em 2% e, desde junho de 2018, está em 0,1%. “A ideia do governo federal era aumentar, mas se fez o contrário.”
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — SÃO PAULO