Ministros mantiveram decisão proferida em 2022, que havia suspendido a cobrança.
O Tribunal de Contas da União (TCU), por unanimidade, declarou ilegal a cobrança do Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SEE), conhecida como THC2 (Terminal Handling Charge 2) nos portos brasileiros. A tarifa é cobrada pelo transporte de cargas entre os terminais portuários, que ficam à beira-mar, e os retroportuários, conhecidos como “portos secos”. O julgamento ocorreu na sessão de ontem.
O tema está há mais 20 anos em discussão na Justiça e nos órgãos administrativos. O valor da tarifa portuária varia entre R$ 400 a R$ 2 mil por contêiner, a depender do operador e do porto. Na semana passada, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) chegou à mesma conclusão, por conta da cobrança não ter amparo em lei e haver infração concorrencial (REsp 1899040 e REsp 1906785).
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também vê como conduta anticompetitiva, pois prejudica os portos secos. Isso porque o importador que quiser fazer a alfândega em um porto seco precisa pagar uma taxa de movimentação a mais do que quem deixar a mercadoria no terminal à beira-mar.
Os ministros do TCU mantiveram decisão proferida em 2022, de relatoria do ministro Vital Rêgo, que havia suspendido a cobrança desde então. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) pediu o reexame do acórdão, mas o recurso foi negado ontem. O alvo desta ação é a Resolução nº 72/2022 da agência reguladora, que previu a possibilidade da exigência da SEE.
Segundo o relator do recurso, o ministro Augusto Nardes, a THC2 eleva o “custo Brasil”. “Essa questão dos preços praticados nos terminais dificulta a competitividade da nação”, afirmou o ministro, na sessão. “A ineficiência da Antaq na análise dessas denúncias sobre abuso de preço de tarifa agrava ainda mais efeitos negativos de eventual cobrança indevida por serviços relacionados ao THC2”, completou (processo nº 021.408/2019-0).
Essa também foi a posição do presidente do TCU, Bruno Dantas. Para ele, existe uma “posição dominante” dos portos molhados no país e a perpetuação da tarifa “transforma os portos brasileiros em depósitos”. “O valor cobrado para que esses contêineres fiquem armazenados dentro do porto é muito mais alto do que o mero deslocamento do contêiner para outra região”.
Alguns ministros, apesar de acompanharem o relator, indicaram que não seria adequada uma interferência do TCU no poder regulatório da Antaq. “Se há abusividade da cobrança no THC2, e há, cabe a Antaq ou eventualmente ao Cade controlarem”, afirmou o ministro Benjamin Zymler.
Representantes dos terminais portuários defenderam, nas sustentações orais, que a THC2 deve ser cobrada por ser um serviço diferente da movimentação da THC. Para o advogado Denis Gamell, que atua pela Associação Brasileira de Usuários de Portos de Transporte de Logística (Logística Brasil), há “racionalidade econômica” para a existência da SEE, uma vez que existem custos atrelados ao serviço.
O advogado Marçal Justen Filho, que representou a Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec) no processo, relacionou a cobrança da THC2 à taxa de entrega cobrada por uma moqueca que ele pediu no fim de semana. “Nem todos os contêineres são objeto de serviço de segregação e entrega. Quem paga é o armador a THC. Ele paga pelo serviço geral de movimentação de entrega dos contêineres em certo local e, portanto, ele paga pelo serviço básico, não me paga pela entrega da moqueca em casa. Ele paga pela entrega dos contêineres no porto”, disse.
Na visão do advogado Bruno Burini, do BRZ Advogados, que defende a Associação dos Usuários de Portos (Usuport), não se deve liberar a Antaq para fazer a regulação do abuso da cobrança, pois a própria existência da THC2 já é um abuso. “Qualquer cobrança é ilegal. Não se trata de uma questão de regulação de preço, pois qualquer centavo cobrado é ilegal”, afirma.
Para ele, a decisão de ontem do TCU se junta a uma sólida jurisprudência que vem se formando pelo reconhecimento da ilegalidade da taxa. Burini explica que o artigo 40 da Lei dos Portos (Lei 12.815/2013) prevê o conceito de THC, que já contempla todos os custos. “O conceito diz que a THC remunera toda a movimentação de contêineres, então não se poderia cobrar mais nada, mas, ainda assim, os operadores portuários desrespeitam o artigo 40 da Lei dos Portos”, acrescenta.
Burini lembra ainda que existe uma comissão de juristas instalada no Congresso para atualizar a Lei dos Portos. Nela, é possível haver nova discussão sobre a THC2. Porém, o advogado acredita que se isso ocorrer, “seria negligenciar o arcabouço de decisões proferidas pelo TRF1, TRF3, Tribunal de Contas, Cade, STJ”. “É improvável que a comissão de juristas afirme a existência da THC2 diante de tantas manifestações contrárias”, adiciona ele.
Procurada pelo Valor, a Antaq não enviou resposta até o fechamento da edição
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO