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VALE TENTA NO STJ DERRUBAR EXECUÇÃO MILIONÁRIA DE ISS

4 de setembro de 2024

Voto do relator, ministro Teodoro da Silva Santos, mantém cobrança no valor original de R$ 350 milhões.

O placar começou desfavorável à Vale em um julgamento tributário iniciado ontem no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator, ministro Teodoro da Silva Santos, reformou um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) para permitir uma cobrança de ISS no valor de R$ 350 milhões pelo município de Mangaratiba, no Rio de Janeiro (o equivalente a R$ 925 milhões em valores corrigidos).

No processo, o município alega que a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), controlada pela Vale, teria subfaturado serviços portuários realizados à mineradora, para reduzir a base de cálculo do tributo municipal. A ação foi levada à Justiça pela MBR para anular a cobrança fiscal, referente ao período de 2009 a 2012.

A alegação da empresa é a de que a fiscalização não apresentou provas de que teria havido subfaturamento e que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço – não o praticado pelo mercado. Defende ainda que os custos no porto de Mangaratiba são menores que os de cidades vizinhas, por ser privado e só exigir o pagamento de mão de obra.

Já a prefeitura entende que o preço pago pela Vale à MBR por tonelada, de R$ 0,49, destoa das operadoras vizinhas na Ilha de Guaíba, que varia entre R$ 17,72 e R$ 22,38. Essa diferença, que chega a ser 36 vezes maior na vizinhança, segundo o município, configuraria evasão fiscal.

No voto, o relator acatou os argumentos do município. Antes de iniciar a leitura da ementa do voto, Santos disse que o dinheiro dos entes federativos é “dinheiro do povo” e o que mais chama a atenção no caso é a “disparidade de preço exacerbada praticada pela Vale em detrimento de um município pobre e que, sem dúvida, abala a receita deste”.

“É dinheiro público que serve a exemplo para atividades públicas elementares, como educação, saúde, segurança e saneamento”, afirmou o ministro, durante a sessão (REsp 2098242).

Para o relator, a empresa parte da “premissa equivocada acerca da liberdade de contratar, que encontra limites justamente para não permitir a redução artificial do imposto devido”. Na visão do ministro, a base de cálculo do ISS, regulamentado pelo artigo 7º da Lei Complementar nº 116/2003, é o preço dos serviços. Porém, o artigo 148 do Código Tributário Nacional (CTN) autoriza o arbitramento quando a autoridade fiscal entende haver “omissão” nas declarações prestadas pelo contribuinte.

“Mostra-se legítima a iniciativa do Fisco municipal de apurar e arbitrar a base correta do imposto em processo próprio”, o que garantiu ao contribuinte o direito à ampla defesa e ao contraditório. Pediu vista a ministra Maria Thereza de Assis Moura. Não há previsão de retorno à pauta.

Na sustentação oral, a advogada Bianca Mareque, do Vieira Rezende Advogados, que representa a Vale, disse que a MBR deixou clara a diferença nos custos para a formação de preço, que traz lucro de 60%. Ela pediu o não conhecimento do recurso do município por conta da Súmula 7 do STJ, que veda reexame de provas. No mérito, disse não haver “previsão legal que autorize o arbitramento com suposto preço justo de mercado”. “A base de cálculo do ISS é o preço do serviço e não o preço de mercado”, afirmou Bianca.

Carlos Augusto Rolemberg, do Mundim, Costa Leite & Rolemberg Advocacia e Consultoria, que atua pela prefeitura, disse, durante a sessão, que o preço destoa do praticado pela própria Vale no município vizinho, de Itaguaí. Para ele, o artigo 148 do CTN é “categórico” e permite o arbitramento. “Se o preço do serviço não merece fé, como se extrai da própria base fática do acordão recorrido, legítima a atuação do Fisco municipal”, afirmou.

Rolemberg disse ainda que a “fraude fiscal” é tão “evidente” e “escancarada”, que motivou investigação criminal e denúncia pelo Ministério Público Estadual. Ainda não há decisão nesse processo, mas a Vale o elenca como uma das ações de perda possível no último formulário de referência, publicado em julho deste ano, por potenciais “danos à imagem da Vale, diante da alegação de eventual crime tributário por ex-diretores”. Nesse caso, ex-diretores da MBR são investigados por sonegação fiscal.

O escritório de Rolemberg foi subcontratado pelo Celso Sardinha Advogados Associados, escolhido para representar Mangaratiba sem licitação. Não foi possível contato com a prefeitura e não houve retorno do escritório até o fechamento da edição. Procurada pelo Valor, a Vale informou que “não comenta processos judiciais em andamento”.

Segundo João Vitor Kanufre Xavier, sócio do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, tanto o CTN quanto a jurisprudência dos tribunais permitem o arbitramento de base de cálculo de tributos. “Se o município verificar que o contribuinte estiver agindo de má-fé, ele pode desconstituir o preço, desconsiderar esses valores e arbitrar uma base de cálculo tendo como comparação o que existe no mercado”, diz Xavier.

Porém, acrescenta, é preciso de provas contundentes de que algum artifício foi usado pela empresa. “Nesse caso, não parece haver um consenso, porque a sentença e o acórdão do TJRJ divergem.” Além disso, ele afirma que o laudo pericial – que foi favorável ao contribuinte – costuma ser “decisivo” para esse tipo de processo e não foi considerada pela sentença.

Na defesa, a mineradora ainda alega que a decisão do juiz Marcelo Borges Barbosa, da Vara Única da Comarca de Mangaratiba – aposentado compulsoriamente por ter favorecido a reintegração de policiais militares – deveria ser anulada. Isso porque a decisão que o afastou foi publicada às 00h05 do dia 10 de maio de 2021, horas antes de proferida a sentença no caso, às 20h05. A juíza Patricia Fernandes de Souza Drumond, contudo, negou a alegação, pois a portaria que afastou oficialmente o magistrado foi publicada no dia 13 de maio, no Diário da Justiça Eletrônico.

Na sentença, Barbosa diz que o laudo do perito “parte da premissa de que o único custo da ré é o pagamento por cessão de mão de obra”, por isso, não elucidou as dúvidas do juízo e que as notas fiscais juntadas nos autos indicam outros tipos de custos assumidos pela empresa. Também afirma que o arrendamento feito pela MBR à Vale “constitui uma manobra para pagar menos imposto” e que “tamanho disparate nos preços levanta suspeita sobre sua correção”.

FONTE: VALOR ECONÔMICOPOR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO

 

 

 

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