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CONTROVERSO, IMPOSTO SELETIVO NO SETOR MINERAL PODE GERAR ATÉ R$ 10,8 BI

23 de maio de 2024

Para críticos, proposta que deve entrar em vigor em 2027 e inclui dois dos principais itens exportados pelo país tem intenção “arrecadatória”

Controversa, a tributação do Imposto Seletivo (IS) sobre a extração mineral pode render à União receita adicional de R$ 8,7 bilhões em 2027, quando começará a ser cobrada, e chegar a R$ 10,8 bilhões em 2033. Pela proposta do governo o tributo deve ser cobrado sobre petróleo, minério de ferro e gás natural, mesmo que destinados à exportação, o que tem despertado críticas ao que se considera como intenção “arrecadatória”.

Os itens que ficarão submetidos ao IS estão em ascensão na pauta exportadora e contribuem com mais de 20% do valor de todos os embarques brasileiros. No ano passado, somaram US$ 73,3 bilhões em exportações, o equivalente a 21,6% da receita total de embarques. A expectativa é que, com aumento de volume de produção, se tornem mais importantes na pauta exportadora nos próximos anos. De janeiro a abril deste ano somente minério de ferro e petróleo foram responsáveis por 24% das exportações ante 20% em iguais meses do ano passado. O petróleo, segundo especialistas, promete se tornar neste ano o principal item embarcado pelo país.

As projeções de arrecadação do IS são de Bráulio Borges, economista da LCA e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). As estimativas fazem parte de estudo em que Borges analisa o potencial de receitas que podem ser geradas pelo setor extrativo mineral até o início da próxima década. Atualizadas em fevereiro deste ano, as projeções consideraram alíquota do IS de 1%.

Pelos cálculos de Borges, a arrecadação total de tributos federais no setor extrativo mineral deve atingir R$ 52,7 bilhões em 2027 e chegar a R$ 63,5 bilhões cinco anos depois. As contas não incluem a contribuição previdenciária. O estudo tomou como base projeções de diversas fontes como ANP, Vale, Opep e PPSA. Os cálculos do economista consideraram, entre outras premissas, que o volume de produção de petróleo e gás vai crescer 50% até 2033 em relação ao observado em 2023. Para minério de ferro, foi considerada alta de 19% nos mesmos critérios.

Em entrevista ao Valor publicada no início de maio, Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, disse que a arrecadação do Imposto Seletivo, da forma como proposta pelo governo federal, não deve ultrapassar total de R$ 50 bilhões.

O Imposto Seletivo deve ser cobrado a partir de 2027 e, segundo a emenda da reforma, tem como objetivo desestimular o consumo de bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente. Diferentemente de outras bases de incidência, como bebidas açucaradas e carros, a tributação sobre bens minerais não foi novidade do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24 proposto pelo governo para regulamentação da emenda da reforma.

A cobrança do IS sobre bens minerais foi estabelecida na emenda, assim como a alíquota máxima de 1% para esse caso específico. O PLP especificou nos anexos que no caso dos bens minerais o alvo são petróleo bruto, minério de ferro e gás natural (liquefeito ou gasoso). Os produtos estão especificados por códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e ou do Sistema Harmonizado (SH).

Ao elencar o petróleo bruto e o minério de ferro nas bases da tributação do Imposto Seletivo, a proposta do governo abarcou dois dos itens que costumam estar entre os três principais da pauta exportadora brasileira.

Gabriela Faria, economista da Tendências, diz que em 2024 a expectativa é de destaque ainda maior para petróleo e minério de ferro, já que o desempenho agrícola, representado fortemente pela soja, não será tão forte este ano como foi em 2023. Embora tenha havido queda de preços do petróleo em relação a períodos mais recentes, diz ela, o aumento do volume deve fazer com que petróleo e minério contribuam para a balança comercial alcançar novamente um resultado robusto este ano.

Diferentemente dos demais tributos novos criados pela reforma tributária sobre consumo – a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que será arrecadada pela União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será gerido por Estados e municípios -, o IS não dará direito a crédito. Segundo o PLP, será cobrado uma única vez sobre o bem, o que deve acontecer na primeira comercialização pela empresa extrativista, ainda que destinada à exportação. Júlio de Oliveira, tributarista e sócio do Machado Associados, explica ainda que o IS, inclusive o cobrado na extração mineral, integrará a base de cálculo do IBS e da CBS.

Para Borges, no caso da extração mineral o Imposto Seletivo vai funcionar “na prática” como “um adicional de royalties, que ajuda a reduzir a alíquota-padrão da CBS e do IBS”. “No caso de petróleo e gás, até poderia ser considerado como um ‘upstream carbon tax’, mas nos demais setores extrativos isso não faria muito sentido, a não ser que esteja sendo considerado que essas atividades causam muitos danos ambientais nas áreas de mineração.”

Para empresas de mineração, cobrança do imposto no setor é “anomalia”

Para Rinaldo Mancin, diretor de relações institucionais do Ibram, que representa as empresas de mineração, a cobrança do Imposto Seletivo no setor é uma “anomalia”. Ele defende que os “excise tax”, tributos que inspiraram o IS, não costumam focar em um setor, mas sim em produtos, para desestimular consumo de tabaco ou álcool, por exemplo.

Uma das polêmicas, diz, é que a medida desincentiva a mineração. “O mundo vai precisar de mais mineração, dentro da transição energética e energia renovável para os quais a mineração é essencial.” Há, para ele, um “contrassenso” entre políticas públicas que eventualmente busquem a extração de minerais críticos e estratégicos, o que iria na contramão de um IS que desincentivaria a mineração.

Mancin diz que o governo tem intenção “arrecadatória” ao listar o minério de ferro entre as bases tributáveis pelo IS, já que o item, sozinho, foi responsável por 59,6% do faturamento de R$ 248 bilhões do setor mineral em 2023. Os dados são do Ibram. O setor, defende, Mancin, é favorável à reforma tributária, mas não quer a tributação de minerais estratégicos. A ideia, relata, é levar o tema para o Congresso nas discussões sobre a proposta de regulamentação do governo.

Para Tércio Chiavassa, tributarista e sócio do Pinheiro Neto, é importante assegurar que as exceções à tributação estejam claras na legislação. Ele lembra que o PLP 68/24 traz exceção expressa para gás quando utilizado no processo produtivo para empresas. “Por que somente o gás, e não outras coisas? Esta é uma discussão que terá que avançar no Legislativo.”

No sistema atual, diz ele, as leis complementares estabelecem a incidência de ICMS e ISS e há conflitos sobre qual tributo incide em determinadas operações. Com a reforma a premissa é outra, observa. “O governo traz um conceito de operações muito amplo para dizer claramente que está tudo dentro e estabelecer as exceções. O que não for bem material, bem imaterial ou direito é serviço. Por definição se abre uma válvula e se abrange tudo. Isso vale para o Imposto Seletivo também. Se há exceções, o legislador precisa incluir agora.” Caso contrário, destaca, será muito difícil alegar depois que algo é exceção se isso não estiver expressamente estabelecido.

Dependendo de como ficar definido o texto no legislativo, diz Chiavassa, é possível que haja uma discussão sobre a natureza jurídica do IS especificamente sobre extração mineral. Poderá haver espaço, afirma ele, para questionar se há outra incidência sobre o mesmo fato, já que o IS tem por finalidade proteger o dano no ambiente doméstico, algo que teria natureza indenizatória muito similar à já existente Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), considerada uma compensação ambiental sobre uso do solo.

Segundo dados do Ibram, o setor mineral arrecadou total de R$ 85,6 bilhões em tributos em 2023, incluído no valor R$ 6,9 bilhões com a Cfem.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARTA WATANABE – DE SÃO PAULO

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