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IPI, ZONA FRANCA E REFORMA TRIBUTÁRIA

17 de maio de 2024

A regulamentação do IPI na Zona Franca de Manaus por meio do PLP nº 51/24 é insuficiente e deixa muitas dúvidas

A cobrança do IPI para os bens produzidos fora da Zona Franca de Manaus (ZFM), mantida nos últimos momentos da aprovação da reforma tributária (EC nº 132/2023), certamente gerará distorções e problemas piores do que aqueles que existem hoje, os quais não foram calculados nem debatidos, na ânsia do Congresso Nacional de fazer com que a reforma fosse aprovada a qualquer custo ainda em 2023.

A ZFM constitui uma área localizada em Manaus, criada pelo Decreto-Lei nº 288/67, que destinou a ela uma série de incentivos fiscais com a finalidade de criar na região amazônica um centro industrial, que pudesse competir economicamente com as demais regiões do Brasil. Desde a sua criação, os incentivos fiscais previstos para a ZFM tinham que ser concedidos de forma a tornar a produção dos bens na região economicamente competitiva, em comparação com as demais regiões do Brasil e dos outros países. O principal instrumento criado para tornar atrativa a produção na ZFM foi a isenção do IPI para os bens ali produzido e vendidos para as demais regiões do Brasil.

A relevância do IPI para a atração de indústrias para a ZFM depende de como ele é cobrado nas demais regiões: quanto maior a alíquota de IPI para determinado bem produzido fora da ZFM, maior será o seu grau de indução. O IPI tem pouca ou nenhuma relevância como instrumento indutor caso sua cobrança seja reduzida a zero ou muito baixa.

Atualmente, as alíquotas de IPI estão dispostas na TIPI, definidas para todos os produtos, de acordo com os seus respectivos NCMs, podendo ser alteradas por meio de decreto, sem a necessidade de lei. Assim, em termos de IPI, para saber quais os produtos terão uma vantagem competitiva, caso produzidos na ZFM, basta que se verifique a sua alíquota disposta na TIPI. Caso o governo federal pretenda incentivar a produção de um produto na ZFM, basta elevar a sua alíquota por meio de decreto.

Há tempos se discute que esse mecanismo do IPI gera graves distorções, impedindo, por exemplo, políticas de redução de carga tributária para os bens produzidos nas demais regiões. Exemplo disso foi a tentativa do governo Bolsonaro de conceder uma redução geral das alíquotas de IPI para praticamente todos os produtos, o que gerou intensos protestos pelas indústrias estabelecidas na ZFM, que perderiam a sua competitividade.

O Congresso Nacional, ao manter o IPI na aprovação da reforma tributária como mecanismo de atração das indústrias para a ZFM, imaginou que manteria um mecanismo similar ao atual. A EC nº 132/23 previu que as alíquotas de IPI serão zeradas a partir de 2027, exceto para os bens produzidos na ZFM.

Isso significa dizer que as empresas localizadas nas demais regiões do Brasil precisarão ter conhecimento exatamente de quais são os produtos fabricados na ZFM, para então saber se os seus produtos são ou não tributados pelo IPI. Sabemos que na ocasião em que o governo Bolsonaro tentou fazer a mencionada redução geral das alíquotas de IPI, nem mesmo a Suframa tinha a informação precisa de quais bens eram produzidos na ZFM.

A EC nº 132/23 não esclarece se as alíquotas vigentes podem ser alteradas ou não. Se as alíquotas forem estáticas, teremos uma redução do efeito indutor do IPI para a atração da produção para a região, impossibilitando a sua aplicação para novos bens produzidos ali ou para alteração daqueles que são produzidos, acorrentando o principal incentivo da ZFM.

Por outro lado, se a lista for dinâmica, as empresas das demais regiões serão obrigadas a verificar periodicamente quais são os produtos fabricados na ZFM para saber se os seus são ou não tributados pelo IPI, o que não ocorre atualmente. Hoje, as alíquotas de IPI já estão previamente dispostas na TIPI e as empresas que têm interesse em produzir na ZFM já sabem qual será o benefício de IPI que terão, caso produzam ali.

Recentemente, foi encaminhado ao Congresso Nacional o PLP nº 51/24, que trata do diferencial competitivo assegurado à ZFM. Ao prever que o IPI incidirá sobre os produtos que tenham produção relevante na região (que representem 2/3 da produção nacional no ano de 2023), e atribuir ao Poder Executivo o dever de avaliar e publicar, a cada cinco anos, listagem dos produtos que atendam a esse critério, o PLP adota um modelo híbrido restrito, abrindo a possibilidade de alteração mitigada da produção incentivada na ZFM a cada cinco anos.

A regulamentação do IPI na ZFM por meio do PLP nº 51/24 é insuficiente e deixa muitas dúvidas. Não se sabe, por exemplo, se as empresas somente saberão os benefícios de IPI que terão após o início da produção. Isso sem falar que não sabemos se o fato de uma empresa iniciar a produção de determinado bem na ZFM obrigará a sua tributação nas demais regiões do país, e com qual alíquota, ainda que isso ocorra a cada cinco anos. Já o projeto de lei complementar encaminhado pelo governo para a regulamentação da reforma adota um modelo dinâmico restrito, prevendo a possibilidade de ser elevado o IPI somente para produtos sem similar nacional que venham a ser produzidos na ZFM.

Os incautos poderão dizer que a lei complementar terá autonomia plena para disciplinar todas essas questões. O problema é que, diferentemente dos outros dispositivos da EC nº 132/23, que delegam para lei complementar a sua regulamentação, historicamente, os incentivos fiscais previstos no Decreto-Lei nº 288/67, especialmente de IPI, têm sido considerados como “imutáveis” pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Será que o Judiciário reconhecerá essa autonomia da lei complementar para, eventualmente, reduzir o caráter do IPI como instrumento indutor da ZFM?

Ana Helena Silva Lavigne de Souza e Daniel Monteiro Gelcer são advogados no escritório de São Paulo do Gaia Silva Gaede Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ANA HELENA SILVA LAVIGNE DE SOUZA E DANIEL MONTEIRO GELCER

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