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STJ E A EFETIVIDADE DAS EXECUÇÕES CIVIS

16 de maio de 2024

Enquanto o Conselho Nacional de Justiça desenvolve ferramentas como o Sisbajud e o Sniper para localizar patrimônio, os recentes entendimentos do STJ desencorajam a satisfação voluntária da execução.

Durante 2022, o advogado que orientasse seu cliente, após uma condenação por responsabilidade civil, prudentemente, recomendaria garantir a execução iminente para evitar os encargos de correção monetária e juros mensais de 1%.

Naquele ano, porém, a revisão do Tema Repetitivo nº 677 pelo STJ mudou significativamente o panorama das execuções civis. Após afetação do REsp nº 1820963/SP, foi revisto o entendimento de que o depósito judicial em garantia, feito pelo devedor para contestar os valores cobrados na execução, interromperia a correção monetária e juros sobre o crédito.

Atualmente, cabe ao credor o índice aplicado pelo depositário sobre os depósitos judiciais. Essa mudança preserva a integridade do direito de crédito, evitando possíveis perdas devido às diferenças entre os índices aplicados aos depósitos judiciais e aqueles incidentes sobre os débitos de natureza civil.

Já os devedores perderam um dos benefícios da garantia da execução por meio de depósito judicial. Afinal, a imobilização patrimonial, decorrente do depósito, já não impedirá a fluência de juros e multa.

Dois anos depois, o julgamento do REsp nº 1795982/SP, embora trate de tema de direito material, promete outra grande mudança no cenário das execuções, ao alterar a forma de atualização de débitos civis.

Embora o STJ já tenha proferido algumas decisões, nos últimos anos, com o entendimento de que as dívidas civis deveriam ser atualizadas pela taxa Selic, nenhuma delas possuía efeito vinculante e coexistiam com precedentes da Corte em sentido contrário. Os Tribunais de Justiça, então, seguiram adotando entendimento de que a regra do artigo 406 do Código Civil importaria na incidência de juros de mora de 1% ao mês, combinado com índice oficial de inflação utilizado no Estado – na maior parte dos casos, IPCA, INPC ou IGPM.

Diante do impasse, o REsp 1795982/SP, distribuído à 4ª Turma do STJ, foi afetado para apreciação pela Corte Especial. Por seis votos a cinco, o colegiado acolheu a tese de a taxa Selic é aplicável às dívidas de impostos da Fazenda Nacional. Segundo o artigo 406 do Código Civil, esse índice também deve ser utilizado para dívidas civis, na ausência de outra convenção.

A taxa Selic, por abarcar juros e correção monetária, necessariamente, afasta os índices usualmente utilizados pelos Tribunais de Justiça e unifica os encargos incidentes. Em 6 de março, após a conclusão do julgamento, o relator, ministro Luís Felipe Salomão, suscitou questão de ordem sobre a existência de possível nulidade. A possibilidade já foi rechaçada por três dos ministros presentes e, após debate acalorado, o ministro Mauro Campbell pediu vista dos autos.

Em entrevista no ano de 2020, o ministro Luiz Fux ressaltou a responsabilidade dos juízes em considerar as consequências sociais de suas decisões, dando uma perspectiva consequencialista à atividade jurisdicional. O Código de Processo Civil de 2015, desde sua exposição de motivos, estabeleceu que a efetividade e o consensualismo seriam alguns dos princípios orientadores da reforma implementada nos 1.072 artigos seguintes.

No entanto, os recentes precedentes do STJ parecem prejudicar a efetividade das execuções civis e, de certa forma, também o papel das partes na solução de disputas. A aplicação dos encargos de mora após o depósito em garantia, conforme nova redação do Tema Repetitivo nº 677, reduz o interesse dos devedores em garantir as execuções, ao passo que a adoção de índice com resultados muito inferiores aos usualmente praticados diminui o custo da inadimplência.

Para melhor visualização dos impactos da mudança, ao final de 2023, a taxa Selic atingiu 11,75%, enquanto o IPCA, somado aos juros anuais de 12%, alcançou 17,17%. Essa disparidade tornará mais vantajoso para o mau pagador adiar o pagamento de seus débitos. Enquanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolve ferramentas como o Sisbajud e o Sniper para localizar patrimônio, os recentes entendimentos do STJ desencorajam a satisfação voluntária da execução.

Amplia-se o papel do Estado-juiz e reduz-se a autonomia das partes na resolução de disputas, favorecendo a truculência em detrimento dos estímulos positivos ou coercitivos. A interpretação dada ao artigo 406 do Código Civil pode, ainda, afetar agentes de mercado de forma desigual.

Nas relações de consumo, os fornecedores costumam estabelecer, nos contratos de adesão, o método de correção da dívida em caso de inadimplência, o que permaneceria inalterado. No entanto, os consumidores que buscarem reparação por danos extracontratuais terão os valores determinados pela sentença atualizados pela Selic. Essa disparidade prejudica aquele que já é a parte mais vulnerável da relação.

Além da questão levantada pelo ministro Luís Felipe Salomão ao fim do julgamento, há outra esperança para reverter a aplicação da Selic. Poucos dias antes, a comissão de juristas indicada pelo Senado apresentou um relatório final sobre a atualização do Código Civil. Entre as propostas recebidas, as possíveis alterações do artigo 406 iam desde a adoção da taxa da poupança até a Selic. No relatório, prevaleceu a ideia de manter a taxa de 1% ao mês, prática atual.

Então, após a adoção de entendimento com tamanho impacto social, por diferença de apenas um voto, na Corte Especial do STJ, é desejável que o tema seja objeto de debate amplificado. A sociedade, a comunidade jurídica e o Congresso terão nova oportunidade de revisitar o tema da atualização das dívidas civis. Até que isso aconteça, o cenário será de incertezas.

Maria Victoria Santos Costa e Bruno Martins de Castro são sócios do escritório MV Costa Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARIA VICTORIA SANTOS COSTA E BRUNO MARTINS DE CASTRO

 

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