A Câmara dos Deputados ensaia interditar o debate público do projeto de regulamentação da reforma tributária.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, passou os últimos dois meses cobrando do ministro Fernando Haddad o envio do projeto, mas já se passaram 20 dias e a pergunta que todos se fazem é como se darão as discussões na Casa.
Não há relator indicado e o que se sabe até agora é que o presidente da Câmara quer criar dois ou três grupos de trabalho para fazer uma divisão das discussões por temas em separado.
Lira chegou a culpar o Ministério da Fazenda por um eventual atraso na estratégia de votar o projeto antes do recesso parlamentar de julho.
Haddad demorou nove dias no prazo fixado anteriormente para a entrega do projeto e, agora, está tudo parado na Câmara.
Na semana passada, as negociações no Congresso estavam concentradas na derrubada do veto do presidente Lula e na recomposição de parcela das emendas parlamentares de comissão.
Os parlamentares queriam de cara os R$ 5,6 bilhões vetados por Lula na sanção do Orçamento; conseguiram R$ 3,6 bilhões, mas vão cobrar os R$ 2 bilhões restantes até o final para seguir com a reforma —agenda prioritária neste ano.
O Congresso também focou, com a necessária rapidez que a tragédia climática do Rio Grande do Sul demanda, na aprovação das medidas de socorro ao estado.
Nada disso, no entanto, justifica o que vem sendo adotado na Câmara na tramitação da reforma.
O procedimento é injustificável e sinaliza que a Câmara vai atrasar o calendário para depois tratorar a votação, levando o projeto direto à votação no plenário sem passar por nenhuma comissão.
Uma estratégia que bate de frente com o compromisso do presidente Lira com empresários de que a regulamentação seria dez vezes mais discutida na Câmara do que foi a PEC da reforma.
A impressão que fica é que, enquanto se espera a definição do relator, os conchavos e as negociações do texto já estão acontecendo com os deputados que têm chance de ser indicados para os grupos de trabalho.
Nos bastidores se fala até mesmo na possibilidade de cada um dos deputados ficar responsável por um setor.
É um procedimento estranho ao processo legislativo, para dizer o mínimo. Uma brecha para se formar um grande balcão de negócio.
A suspeita que se comenta nos corredores da Câmara é que a pergunta que está sendo feita é a seguinte: de qual setor você quer tomar conta?
Além da lista dos indicados aos grupos de trabalho, já são 12 candidatos à relatoria.
Lira está justificando a criação desses grupos para que haja uma divisão com os partidos e se possa formar uma maioria necessária à aprovação da proposta.
Mas todos sabem que a reforma tributária é peça importante de negociação com os presidentes dos partidos para a sua sucessão.
Se não bastassem esses atropelos, a liderança do governo na Câmara saiu-se com a novidade de fazer reuniões técnicas presenciais com integrantes da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda voltadas às assessorias parlamentares.
O detalhe é que o convite dizia que as discussões, embora presenciais, seriam fechadas. Após as críticas, a liderança voltou atrás. O debate será aberto.
Com esses debates, o governo busca atuar no convencimento para ter menos mudanças no texto. Assessores parlamentares são os primeiros anteparos aos parlamentares e também os primeiros alvos dos lobbies setoriais.
É péssimo começo para a tramitação da regulamentação da reforma na Câmara.
FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO – POR ADRIANA FERNANDES