Essencialidade pode ser evidenciada não com alíquota menor, mas pela via orçamentária e amplo aproveitamento do crédito fiscal
A EC 132/24 – reforma tributária do consumo, antiga PEC 45 – é um marco institucional relevante para destravar a produtividade e o crescimento no Brasil. Sua regulamentação será composta por três Projetos de Lei (PL). O primeiro foi protocolado pelo Executivo no último dia 25 de abril, tem 499 artigos e 360 páginas.
Os próximos versarão sobre: o comitê gestor, o contencioso tributário, os fundos e as alíquotas dos impostos seletivos. Neste primeiro PL, setores que ofertam serviços em infraestrutura mostraram-se preocupados com os efeitos da reforma tributária, especialmente os que foram excluídos do regime específico (art 156-A, par. 6º), como rodovias, saneamento, micro e minigeração de energia elétrica. E aí?
Primeiramente, cabe ressaltar que, se fosse pelo Executivo, a EC 132 não teria exceção, o que permitiria uma alíquota padrão (que incidirá nas compras de bens e serviços, B&S) para a sociedade de 20%. Também constaria um cashback (devolução de parte ou da totalidade do imposto pago) mais amplo para os pobres, uma forma de tornar o imposto sobre consumo – regressivo por natureza – mais progressivo e justo.
A alíquota padrão média divulgada, contudo, foi de 26,5% (e não de 20%), tendo sido uma opção do Congresso Nacional, quando atendeu os diversos lobbies, concedendo-lhes alíquotas reduzidas comparativamente à padrão.
Em segundo lugar, cabe esclarecer uma confusão recorrente entre alíquota e carga tributária. O texto de André Salcedo, diretor-presidente da Sabesp (publicado na Folha de S.Paulo), parece cometer este erro, por exemplo, ao falar em “carga tributária de 9,25% para 27,5%”. Não seria alíquota?
Além disso, outro equívoco é comparar alíquotas do regime atual, em que há cumulatividade na cadeia e não devolução de créditos, com o novo regime, em que haverá neutralidade como regra geral. Para além das bases, que também serão distintas. Há, assim, que considerar nas previsões do fluxo de caixa no novo sistema a neutralidade total nas operações B2B, como a compra de bens de capital (investimento). O aumento de carga tributária ocorrerá quando a venda de B&S for para o consumidor final (B2C e não B2B) e quando a empresa não estiver no regime do Simples Nacional (que é o caso de 80% das empresas que prestam serviços).
É possível que seja necessária revisão contratual das concessionárias em infraestrutura, pois as tarifas podem ter que ser ajustadas. Neste sentido, caso haja revisão, a ABAR (Associação Brasileira de Agências Reguladoras) pode ter protagonismo na coordenação entre as concessionárias e os reguladores federais e estaduais.
No caso do saneamento, em particular, o setor é vital para o bem-estar da população, mas tem um atraso monumental. Como o segmento apresenta estatísticas catastróficas na cobertura de água, esgoto e no cuidado com os resíduos sólidos, o setor tem tido efeitos nocivos para as áreas de saúde e educação: crianças, quando doentes, usam mais o SUS e não vão à escola. Sem mencionar na poluição para o meio ambiente, que também afeta a saúde das pessoas.
Por isso, ainda bem, foi aprovado o Marco do Saneamento, que impõe a universalização até 2033. Os investimentos urgem ocorrer e tal meta para 2033 precisa ser cumprida à risca.
Nesta direção, diversos estados optaram por privatizar suas empresas estaduais. Estes governadores entenderam que não há recursos públicos para realizar os investimentos necessários e colocaram as necessidades do povo acima de suas vontades políticas. Motivo de orgulho para o cidadão, desde que as empresas reguladoras estaduais (além da ANA) estejam tecnicamente preparadas, não sejam capturadas e sejam independentes, para monitorarem com rigor o cumprimento das metas. Mais uma vez, a ABAR passa a ter um papel mais relevante ainda.
Salcedo menciona que a EC 132 pode pressionar o caixa das empresas, majorar o custo dos investimentos, aumentar a tarifa e piorar a vida dos vulneráveis. Mesmo no período de transição do IBS (2027 a 2032), contudo, o custo dos investimentos sob o novo sistema garantirá à concessionária o crédito proporcional à diminuição anual do ICMS e o crédito integral de IBS e CBS sobre as novas aquisições à medida que forem cobrados. Além disso, os ricos são inelásticos de forma geral e os pobres terão cashback de 20% de IBS/CBS pagos em todas as compras de B&S, 50% no consumo de água, esgoto e luz e 100% na aquisição de botijão de GLP.
Por fim, qualquer ente pode, via orçamentária, ter políticas para o setor, explicitando de forma transparente nas suas leis orçamentarias anuais (LDO e LOA) os valores subsidiados. Por exemplo, se a modicidade tarifária for um objetivo nacional e se o setor precisa ter um tratamento diferenciado, pois é essencial, que assim esse seja feito, mas pelo lado das despesas, tendo aprovação do Legislativo. O retorno deste gasto é elevado. Segundo Salcedo, para a OMS, cada R$ 1 investido em saneamento gera economia de R$ 4 em saúde.
Em suma, é fato que o setor de saneamento é primordial para a sociedade. Essa essencialidade, contudo, pode ser evidenciada não com alíquota menor para todos, mas com políticas públicas dos entes, pela via orçamentária e pelo amplo aproveitamento do crédito fiscal que a reforma tributária proporcionará. Que assim seja feito.
FONTE: JOTA – POR CRISTIANE ALKMIN JUNQUEIRA SCHMIDT E ÂNGELO DE ANGELIS