O nosso futuro Imposto Seletivo será como remédio ou veneno: a depender da dose e da aplicabilidade, teremos um ou outro.
A experiência empírica e a literatura internacional contemporâneas convergem no sentido de que a tributação sobre o consumo deve ser usada apenas para arrecadar, de forma neutra, sem interferir nas decisões de consumo e investimento, nos moldes de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ou Imposto sobre Vendas (Sales Tax).
Paralelamente, recomenda-se a adoção de um “Excise Tax”, imposto especial para desestimular consumo de certos itens em razão de seus efeitos nocivos. Daí o apelido de “Sin Tax” ou “Imposto do Pecado”, uma vez que onera comportamentos como o vício do cigarro e a ingestão de alimentos com alto teor de açúcar (Sugar Tax), dentre outros.
Pois bem. A ideia central da recém-aprovada reforma tributária é substituir os atuais tributos sobre o consumo por um IVA-dual, composto pela CBS, de competência federal, e pelo IBS, dos Estados, Distrito Federal e municípios. Adotou-se a neutralidade como princípio, legislação uniforme aplicável em todo país, mantendo-se a autonomia dos entes para definição da alíquota vigente no seu território, em atenção ao federalismo brasileiro.
Complementando o modelo brasileiro, o Imposto Seletivo pode incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, o que lhe confere amplitude magnânima. Vale lembrar, aliás, que a defesa ao meio ambiente tornou-se princípio norteador de todo sistema tributário nacional.
Semana passada, o Ministério da Economia apresentou o projeto de lei geral que institui IBS e CBS, prevendo a incidência do Imposto Seletivo também sobre veículos, embarcações e aeronaves, sob a justificativa de serem emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente e ao homem.
Em relação aos veículos, a proposta é que as alíquotas variem de acordo com a potência, eficiência energética, desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção, reciclabilidade de materiais, pegada de carbono e densidade tecnológica. Por sua vez, terão alíquota zero aqueles considerados sustentáveis conforme critérios de emissão de carbono, reciclabilidade, categoria e realização de etapas fabris no país.
O Brasil ainda carece de adoção de medidas efetivas para manter as mudanças climáticas sob controle e em linha com as metas do Acordo de Paris, do qual é signatário e compromete-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025 e 43% em 2030, considerando os níveis de 2005.
A transição energética é parte essencial do processo de migração da economia para desejável redução das emissões de gases de efeito estufa. Implica, contudo, profunda transformação da infraestrutura, reformulação do nosso modelo de desenvolvimento e do uso da energia nos diversos setores e atividades, como já recomendado ao Brasil pela OCDE (Evaluating Brazil’s progress in implementing Environmental Performance Review recommendations, 2021). Demanda tempo, regulamentação e investimento.
A Câmara dos Deputados está atenta. Em dezembro de 2023, aprovou o PL nº 2148/15 que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e regulamenta o mercado de carbono. Em março, aprovou o PL nº 5174/2023 que cria o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), para incentivo a financiamentos de projetos sustentáveis de infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica. Ambos aguardam apreciação pelo Senado.
Assim, considerando a realidade brasileira que ainda patina na implementação de uma política nacional de transição energética, parece-nos um tanto precoce instituir a cobrança do Imposto Seletivo sobre veículos movidos a combustão, privilegiando os elétricos.
Primeiro porque privilegia os mais abastados, que têm acesso aos automóveis mais caros e podem escolher por um carro elétrico. Só faz sentido tributar mais o carro à combustão quando o Brasil dispuser de carros elétricos com preços compatíveis aos atuais modelos de entrada, assim como só será justo tributar o alimento ultraprocessado quando a população mais vulnerável tiver acesso a itens frescos e saudáveis com o mesmo preço.
Segundo a definição de automóvel sustentável inclui como requisito a realização de etapas fabris no país, prática condenável em comércio exterior. Vale lembrar que o Inovar Auto, que vigorou de 2012 até 31 de dezembro de 2017, sofreu condenação na Organização Mundial do Comércio (OMC) justamente por exigir o cumprimento de etapas fabris no Brasil, configurando protecionismo à indústria nacional.
Terceiro, ainda muito se discute a respeito da tecnologia atualmente utilizada pelos carros elétricos, que sofrem com baixa autonomia, demora na recarga, poucos postos de abastecimento, demandam menos mão de obra na linha de produção, ocasionando desemprego, dependem da extração de cobalto e lítio, cujas reservas são finitas, além de sofrerem com maiores danos em decorrência de incêndios, vez que rapidamente propagados.
Pecado e virtude são os lados opostos da mesma moeda desde muito antes do economista inglês Arthur Pigou propor o enfrentamento de externalidades negativas pela tributação, buscando a redução das atividades cujos custos sociais são superiores aos custos privados (The Economics of Welfare, 1920) de forma a casar “Sin and Virtue” como questiona Richard Bird (2015).
O nosso futuro Imposto Seletivo será como remédio ou veneno: a depender da dose e da aplicabilidade, teremos um ou outro.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LINA SANTIN