Telefone: (11) 3578-8624

FUNDOS ESTADUAIS NA REFORMA TRIBUTÁRIA

15 de abril de 2024

Os Estados que não possuíam fundos estaduais como condicionantes à fruição de benefícios fiscais ou cujos fundos não satisfaçam os critérios previstos na EC 132 terão argumentos para questionar a questão no STF.

A reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional (EC) nº 132 permite aos Estados que possuíam, em 30 de abril de 2023, fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação, financiados por contribuições sobre produtos primários e semielaborados como condição à aplicação de benefícios fiscais relativos ao ICMS, a instituírem contribuições semelhantes, a vigorar até 31 de dezembro de 2043.

O Estado do Rio de Janeiro possui atualmente o denominado Fundo Orçamentário Temporário (FOT), fundo estadual voltado ao equilíbrio das finanças estaduais e que é financiado por depósitos dos contribuintes como condição à fruição de benefícios fiscais. O valor a ser depositado corresponde a 10% do benefício fiscal de ICMS concedido.

Nosso objetivo é analisar se o Estado do Rio de Janeiro poderá instituir as sobreditas contribuições semelhantes aos depósitos do FOT com base na EC nº 132 e, caso não possa, se tal vedação evidenciaria uma discriminação injustificada entre os Estados a ser oportunamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à luz do princípio federativo.

Convém inicialmente destacar que o STF já se manifestou em outras oportunidades sobre a natureza desses depósitos a fundos estaduais como condição a benefícios fiscais, como no caso do Fundeinfra do Estado de Goiás (ADI 7363) e do Fundersul do Estado do Mato Grosso do Sul (ADI 2056).

O STF apreciou se os referidos depósitos, por estarem vinculados a fundos estaduais, seriam constitucionalmente vedados por vincular receitas de impostos a fundos. Entendeu, nos precedentes citados acima, que os referidos depósitos a fundos não seriam vedados por não possuírem natureza tributária, mas sim de uma contribuição voluntária feita pelo contribuinte como condição à fruição de benefício fiscal.

O caso do FOT seria diferente, pois o valor depositado corresponde a 10% do benefício de ICMS. De acordo com o STF e com as alegações do próprio Estado do Rio de Janeiro na ADI 5635, o valor depositado no FOT corresponderia ao próprio ICMS, portanto, de natureza tributária. Apesar disso, como o FOT não possuía uma destinação específica (exemplo: obras de infraestrutura), os depósitos nele realizados continuariam não esbarrando na vedação de vinculação de receitas de impostos a fundos.

De toda forma, considerando que o FOT corresponde a uma parcela do próprio ICMS, tributo que será extinto pela reforma tributária, os depósitos ao FOT deveriam ser extintos juntamente com o ICMS. Além disso, o FOT não possui destinação para financiamento de obras de infraestrutura e habitação, portanto também não preencheria os requisitos para a instituição de contribuições semelhantes ao FOT no cenário pós-reforma.

Ocorre que o tema deverá despertar outra questão. Como visto, o STF geralmente qualifica como contribuição voluntária, de natureza não tributária, os depósitos realizados por contribuintes a fundos como condição à fruição de benefícios fiscais.

Portanto, seria de se esperar que as ditas contribuições semelhantes ostentassem a mesma natureza – de contribuição voluntária, de natureza não tributária.

Ocorre que isso dificilmente será possível, pois os novos tributos instituídos pela reforma tributária (especialmente o IBS) não poderão ser objeto de benefícios fiscais. Em outros termos, os Estados que hoje exigem depósitos como condição à fruição de benefícios fiscais não poderão mais fazê-lo.

Assim, as contribuições semelhantes deverão perder seu aspecto de voluntariedade pela ausência de contrapartida possível pelos Estados. Isso porque as contribuições semelhantes não deverão mais ser exigidas como contrapartida à concessão de benefícios fiscais, mas como decorrência da prática de um fato gerador pelo contribuinte (que a EC não esclarece qual) e que dispararia a obrigação de recolher as contribuições semelhantes.

Nesse contexto, as contribuições semelhantes – que deverão ser, ironicamente, de todo diversas dos depósitos geralmente exigidos como contrapartida a benefícios fiscais – deverão passar a ter caráter tributário, cujo produto da arrecadação será destinado a projetos de infraestrutura e habitação, aparentando possuir características de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) visando a intervenção do Estado na economia, no caso, infraestrutura e habitação.

E a reflexão proposta é a de saber se poderia a EC nº 132 prever uma competência tributária para uns Estados e para outros não. A nosso ver, a resposta é não. A se confirmar a perda de voluntariedade das referidas contribuições semelhantes e a sua natureza tributária, tal competência deveria ser estendida a todos os Estados, sob pena de uma discriminação injustificada de competências tributárias entre os entes do mesmo nível federativo, inclusive porque todos os Estados ficarão vedados de instituir benefícios fiscais.

Portanto, entendemos que o FOT não justifica a instituição pelo Estado do Rio de Janeiro de contribuições semelhantes a ele com base no texto promulgado da EC nº 132 pela ausência dos requisitos necessários à sua instituição. Por outro lado, acreditamos que os Estados que não possuíam fundos estaduais como condicionantes à fruição de benefícios fiscais ou cujos fundos não satisfaçam os critérios previstos na EC nº 132 (como o caso do Rio de Janeiro) terão argumentos para questionar no STF a condição prevista na EC para a instituição das referidas contribuições semelhantes à luz do princípio federativo.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR RODRIGO PINHEIRO

 

 

Receba nossas newsletters