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A DIFÍCIL REGULAÇÃO DO IMPOSTO SELETIVO

12 de abril de 2024

Primeira alternativa poderia ainda vir com uma graduação de todos os bens e serviços tributáveis de acordo com um critério de seletividade em função da prejudicialidade.

Um dos pontos mais controversos na reforma tributária, indubitavelmente, é o Imposto Seletivo (IS). A controvérsia se dá por diversas razões: desde a grande abrangência do texto aprovado na Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, que em tese permitirá a incidência do IS em diversos bens e serviços, até o potencial de complexidade que ele poderá trazer a um novo sistema de tributação do consumo que pretende ser simples.

Com efeito, o IS foi proposto originalmente na PEC 45 com um texto bastante direto: “a União poderá instituir (…) impostos seletivos, com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos”.  Segundo a Justificativa apresentada, o IS deveria incidir “sobre bens e serviços geradores de externalidades negativas, cujo consumo se deseja desestimular, como cigarros e bebidas alcoólicas”.

Já na PEC 110, apresentada no mesmo ano (2019), o IS incidiria sobre “operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações (…), bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos”.

As opções políticas no texto original da PEC 45 e na PEC 110, como visto, foram opostas: enquanto a primeira deixava claro o caráter extrafiscal do IS e relegava ao legislador a escolha dos setores que seriam atingidos (embora a justificação já exemplificasse alguns), a PEC 110 praticamente esgotava as hipóteses de potenciais incidências. A decisão política, portanto, parecia pender para uma de duas soluções possíveis.

A EC 132/2023, contudo, seguiu uma terceira linha, ao atribuir ao legislador complementar a competência para definir os bens e serviços tributáveis com base em dois critérios: prejuízo ao meio ambiente e prejuízo à saúde. A solução não é das melhores, por eleger dois critérios que são excessivamente ambíguos (quase tudo pode prejudicar saúde ou meio ambiente) e que poderão gerar insegurança jurídica.

Isso porque, ao eleger justificativas excessivamente amplas, a PEC dá margem para que (1) o legislador tente esgotar as possibilidades e, ao assim fazer, aproxime o IS do IBS e da CBS, que já contam com bases amplas de incidência; ou (2) recorte apenas alguns bens e serviços a serem tributados, o que estimularia a judicialização por contribuintes que, diante de bens e serviços potencialmente prejudiciais não tributados, não aceitariam sua taxação.

A primeira alternativa poderia ainda vir com uma graduação de todos os bens e serviços tributáveis de acordo com um critério de seletividade em função da prejudicialidade (à saúde ou ao meio ambiente), técnica que aproximaria o IS de um “super IPI” (já que incidente também sobre bens primários e serviços, que estão fora da abrangência do IPI).

Em meio a esse difícil desafio proposto ao legislador pela EC 132/2023, surge o primeiro projeto de lei complementar para tratar do IS (PLP 29/2024), que merece críticas.

Primeiramente, chama a atenção o fato de o PLP deixar claro que o IS será extrafiscal, pois terá a “finalidade desestimular o consumo de bens e serviços comprovadamente prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”. Para tanto, exige uma “comprovação” da prejudicialidade do bem ou serviço a ser tributado, que dependerá de estudo prévio (artigo 10). Esse estudo, porém, poderia trazer problemas ao (1) revelar uma lista enorme de bens e serviços prejudiciais, o que relativizaria a extrafiscalidade do IS (vamos combater o consumo de quase tudo?), ou (2) ser direcionado previamente a alguns bens e serviços, o que poderia levantar uma discussão de constitucionalidade do imposto (quem demandar o estudo tem competência para escolher o que será tributado?).

O PLP também contém uma cláusula que acena com a possibilidade de concessão de isenção ou redução do IS aos contribuintes que promoverem ações e programas de prevenção, mitigação e conscientização relativos ao consumo saudável ou sustentável dos bens ou serviços tributados. Essa medida é de duvidosa efetividade, já que dificilmente um contribuinte investiria em ações para desestimular o consumo dos produtos que produz/vende.

Já a possibilidade de redução da carga de IS nos casos de investimentos que resultarem em cadeia de produtos e serviços mais sustentáveis, também prevista no PLP, torna duvidoso se o imposto (1) deveria incidir sobre o produto/serviço prejudicial, ou (2) sobre produto/serviço que, embora não prejudicial em si, contenha insumo ou processo de produção que de alguma forma o seja (exemplo: transporte em veículos movidos a combustíveis fósseis). Ao propor o PLP um imposto extrafiscal, o consumo que se quer ver desestimulado deveria ficar mais claro.

A possibilidade de gradação das alíquotas em função do nível de prejudicialidade e essencialidade (artigo 4º) também é criticável no PLP, por aproximar o IS do “super IPI” já comentado (além de tornar o “estudo prévio” à sua instituição ainda mais complexo).

Por fim, o principal ponto de crítica é a declarada necessidade de haver uma lei complementar específica para tratar do IS, já que o PLP 29/2024 pretende apenas trazer as regras “gerais” do imposto. Se ainda será necessária mais uma lei, que poderá alterar tudo o que estiver contido no PLP em caso de aprovação (já que de mesma hierarquia), qual é a utilidade do PLP 29/2024? Não seria melhor o Congresso Nacional já votar um PLP completo e regular de uma vez o novo imposto?

Por tudo isso, o PLP 29/2024 deve ser rejeitado no Congresso Nacional, cedendo espaço a um projeto mais maduro e apto a efetivamente regular toda a matéria referente ao IS no âmbito de lei complementar.

Maurício Barros é sócio de Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MAURÍCIO BARROS

 

 

 

 

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