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PROJETO DE LEI PODE AFETAR GRANDES CASOS DE FALÊNCIA EM ANDAMENTO

26 de março de 2024

Prestes a ser votado na Câmara dos Deputados, o PL nº 3, de 2024, pode beneficiar os que possuem créditos em maior valor.

Prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei que muda a Lei de Falências do país (PL nº 3, de 2024) afetará grandes casos em curso, como o do Banco Santos e o da Vasp. Os principais beneficiados devem ser bancos, fundos de investimentos e gestoras de recursos especializadas em comprar ativos (assets) – normalmente são eles os que detêm os créditos de maior valor nas falências.

O atual texto do PL, por exemplo, possibilitaria a troca dos atuais administradores judiciais por gestores fiduciários, além de retirar do Judiciário o poder de avaliação de ativos. O projeto ainda impõe: mandato de três anos para os administradores judiciais, demissão dos que estão no cargo por esse período, quarentena de dois anos após a saída deles de cada caso e um limite de atuação em quatro processos de falência e quatro de recuperação judicial por vara.

Especialistas alegam que não haveria administradores judiciais em número suficiente para todas as empresas. No Estado de São Paulo, onde tramitam mais de 6 mil falências de acordo com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e há três varas especializadas, seriam necessários pelo menos 500 profissionais. Pelo cadastro atual do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), existem apenas 177.

O PL pode levar, por exemplo, à destituição do administrador judicial do Banco Santos, no cargo desde o início do processo, em 2005. Ele pediu ao juiz da falência a suspensão do leilão sobre a compra da carteira de créditos da instituição, em que um dos principais interessados seria o BTG Pactual. Nos autos do processo, o administrador defende que o leilão ocorra após encerrado um litígio sobre a junção das massas falidas do Banco Santos com a Sanvest e a Santospar.

Caso o PL seja aprovado como está, após obter a maioria em créditos e em relação aos presentes em assembleia de credores, o BTG poderia destituir o atual administrador e eleger um gestor de sua confiança que acelere o leilão. Como hoje ele é o segundo maior credor através de um FIDC, ainda precisaria se aliar a outros credores para eleger o gestor.

Nos autos do processo, o administrador judicial diz que a junção das massas falidas das três empresas causaria uma depreciação milionária na carteira de créditos, pois seriam compensados com débitos das três falidas (processo nº 0065208- 49.2005.8.26.0100).

Já o BTG, em petição enviada em fevereiro deste ano ao processo, disse que o leilão poderia ocorrer independente disso, com a exclusão na carteira dos créditos que poderiam ser compensados.

O advogado Eduardo Munhoz, que representa o BTG nesse caso, afirma que não necessariamente o banco seria beneficiado com o PL porque é preciso maioria dos créditos na assembleia e aprovação do plano de falências em todas as classes. Ainda diz que não faria sentido o projeto ser aplicado a uma falência que está prestes a ser encerrada – isso caberia ao juiz decidir, segundo ele.

Munhoz é um dos autores do PL original, feito a pedido do Ministério da Fazenda para tentar acelerar os processos de falência, pagamento de créditos e reduzir o spread bancário para promover um melhor ambiente de negócios no país. Porém, o advogado não concorda com o atual texto do PL, alterado pela relatora, a deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

Embora uma parcela dos bancos possa ser beneficiada, outra crítica alterações feitas pela relatora. Representantes do setor dizem que o texto, se não for modificado, pode encarecer o custo do crédito no país. Além disso, que a fiscalização nesses processos, hoje feita em grande parte pelos administradores judiciais, poderia ser reduzida.

“Grandes credores ou devedores mal intencionados não terão uma fiscalização qualificada, o que desequilibra a balança entre grandes credores e credores trabalhistas, além das microempresas. Não seria possível fazer um bom trabalho em três anos”, afirma o advogado e administrador judicial Alexandre Nasser de Melo, do Nasser de Melo Advogados Associados.

Por meio de nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informa que apoia e defende toda melhoria do ambiente de negócios e iniciativas de redução estrutural do custo de crédito. Para a entidade, nesse contexto, “o aprimoramento do instituto da falência é muito bem-vindo”. Mas a federação destaca que alguns pontos inseridos no último substitutivo, como novas condições para a desconsideração da personalidade jurídica e a suspensão, por até 360 dias, do acesso pelo credor aos recebíveis dados em garantia, vão na contramão dessa agenda.

Não seria possível fazer um bom trabalho [de administrador judicial] em três anos” — Alexandre N. de Melo

“Caso não sejam excluídos esses pontos do projeto de lei, haverá maior morosidade para o recebimento dos créditos, com aumento do risco e, consequentemente, dos juros e do spread, prejudicando diretamente as empresas de pequeno porte, dado que são as que mais tomam empréstimos dando em garantia cessão fiduciária de recebíveis”, diz a nota.

No Plenário da Câmara, a relatora Dani Cunha questionou ganhos de administradores judiciais, citando que hoje o profissional pode acumular a função em múltiplas falências de larga escala. Citou o exemplo de um administrador que atua em treze falências dentro de um mesmo grupo econômico. “Isso significa que ele recebe 13 salários, 13 vezes 5% do patrimônio deste mesmo grupo econômico”, disse.

Como outros exemplos de falências alargadas, Dani citou alguns casos como Itapemirim e Panamericano. “Tratam-se de falências vultosas, de mais de décadas, sem rumo e sem um fim pontuado”, afirmou. Por isso, ela teria estipulado, em um dos seus seis substitutivos, um teto para a remuneração desses profissionais. A falência da Itapemirim foi decretada em setembro de 2022, portanto não se passaram os três anos que permitiriam a troca do administrador judicial. No caso do Banco Pan (atual nome do Panamericano), a falência não chegou a ser decretada. O banco foi socorrido pela Caixa Econômica Federal e pelo BTG.

Por meio de nota, o Banco Pan disse que nunca foi deferido processo de falência, nem contra o Panamericano. A administradora judicial da Itapemirim, EXMPartners, não comentou.

Para a Adriana Conrado Zamponi, do Wald Advogados, a substituição do administrador judicial não está, necessariamente, atrelada a maior celeridade nos processos. “Na hora que se substitui o administrador judicial, o novo vai pegar o processo do zero”, afirma.

De acordo com Marcelo Santiago, sócio da Jive Mauá, empresa que compra créditos de empresas em recuperação judicial, oferecendo descontos, a possibilidade de os credores indicarem o administrador judicial é polêmica. Isso porque o administrador judicial é alguém de confiança do juiz, diz ele, mas, ao mesmo tempo, “há situações hoje em que se observa inércia do administrador ou desentendimento entre ele e os credores”.

Mas, para Santiago, o PL pode incentivar o mercado de aquisição de créditos da forma correta. “Incentivar o crédito secundário em falência e recuperações é importante porque pode oxigenar o processo”, afirma. Hoje a Jive participa de 300 casos entre recuperações judiciais e falências e é um dos credores principais em cerca de 10% delas.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) acusou, por meio de nota técnica, que se o PL das Falências passar como está, a condução do processo falimentar ocorrerá sem a cautela de prever a fiscalização pelo Ministério Público e com risco de parcialidade pelo novo administrador. “Não se estabelecem nem mesmo pré-requisitos que busquem garantir a idoneidade, imparcialidade e devida qualificação do gestor para o exercício do múnus [função], ou mesmo critério de seleção objetivo, o que fatalmente acarreta enorme risco ao próprio feito falimentar, com ampla influência do poder econômico”, afirmou.

Procurados pelo Valor, o Ministério da Fazenda, representantes da Vasp e a deputada Dani Cunha não comentaram.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR, RAPHAEL DI CUNTO E BEATRIZ OLIVON — DE SÃO PAULO E BRASÍLIA

 

 

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