Comparação entre dados da PGFN de janeiro de 2021 e de dezembro de 2023 revela salto.
Empresas em recuperação judicial buscam, cada vez mais, a negociação da dívida tributária com a União para ficar quites com o Fisco – a chamada transação. Se em janeiro do ano de 2021, 11,34% da dívida ativa da União regularizada era de empresas em reestruturação, em dezembro de 2023 esse percentual mais do que dobrou e chegou a 25,32%, o equivalente a R$ 40,5 bilhões, segundo informações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
“Hoje, já são mais de R$ 50 bilhões, o que representa cerca de 10% do total já regularizado por meio da transação, de R$ 558 bilhões”, afirma Filipe Aguiar, coordenador nacional de falência e recuperação judicial da PGFN. Ainda que seja uma situação rara, mesmo para o caso de falência a transação começa a despontar interesse.
Na seara da recuperação judicial, um caso recente de sucesso é o da Avibras Indústria Aeroespacial. Por meio da transação, dos R$ 386 milhões de passivo fiscal, ela pagará só R$ 63 milhões.
Essa é a terceira reestruturação da Avibras, uma das maiores empresas de defesa do Brasil, que passou por uma concordata nos anos 90 e a primeira recuperação judicial em 2008. Como ela depende muito de compras por outros países, além das Forças Armadas Brasileiras, com a pandemia veio a crise. O orçamento dos governos foram dedicados à saúde e a equipe comercial da companhia ficou impedida de viajar.
Porém, dessa vez, para ter o plano de recuperação judicial homologado pelo Judiciário, a Avibras optou pela transação. “Antes, as empresas em dificuldade renegociavam o passivo com bancos, fornecedores e colaboradores, mas não ficava blindada de penhoras vindas de execuções fiscais, após encerrada a recuperação judicial”, afirma o advogado que representa a Avibras no processo de recuperação judicial, Guilherme Marcondes. “Com a transação, é possível dar um tratamento global para o passivo”, diz o especialista.
No caso da Avibras, foram oferecidas garantias no termo de transação e o juiz da recuperação judicial autorizou oneração de bens do ativo permanente da empresa, segundo Marcondes. Com a transação e consequente obtenção de certidão positiva de créditos com efeito de negativa, o plano de recuperação judicial foi homologado. “Defiro o pedido formulado pela recuperanda e autorizo a concessão de garantias à Fazenda Nacional conforme previsto na Cláusula 3 do Termo de Transação Individual”, declarou o juiz Maurício Brisque Neiva (processo nº 1002302-16.2022.8.26.0292).
Frutos já são colhidos. No fim de fevereiro, com base na decisão favorável à recuperação judicial, a Avibras conseguiu uma liminar na Justiça contra a eliminação da empresa, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em uma seleção pública de R$ 190 milhões (processo nº 1008073-21.2024.4.01.3400).
Créditos fiscais não se sujeitam à recuperação judicial. Mas, desde a entrada em vigor da Lei nº 11.101, de 2005 (Lei de Recuperação e Falência), para o plano de recuperação judicial ser homologado, é necessário apresentar certidão negativa de débitos fiscais. Contudo, como não existia um parcelamento especial para empresas em crise, o Judiciário costumava dispensar a apresentação da CND.
“Hoje, já são mais de R$ 50 bilhões regularizados por meio da transação” — Filipe Aguiar
Com a reforma dessa lei em 2020 (Lei nº 14.112) criou-se a possibilidade de adesão a um parcelamento específico ou à transação tributária. Daí em diante, decisões judiciais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), passaram a exigir a CND. “Não haveria mais desculpa de não haver um mecanismo para ficar quites com o Fisco”, analisa Marcondes.
De acordo com a procuradora Debora Martins de Oliveira, coordenadora da Equipe de Negociações da PRFN-3, no acordo firmado com a Avibras, uma parte da dívida foi mantida em parcelamentos especiais e a outra foi paga, por meio da transação, com o uso de prejuízo fiscal. “Foi acertada a regularização de débitos previdenciários em 60 vezes e não previdenciários em 84 parcelas”, diz ela.
Segundo Debora, é cada vez mais comum no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a exigência da CND para casos de recuperação judicial. “As empresas têm nos procurado com a decisão judicial em mãos para fazer a transação e conseguem cumprir”, afirma.
Já a Simasul Siderurgia, do Mato Grosso do Sul, logo após encerrada a recuperação judicial, foi ao Judiciário para garantir que possa fazer a transação dos débitos tributários nas condições especiais cedidas para empresas em crise. “O pedido de transação já havia sido apresentado, mas ainda não foi analisado e haveria o risco de o Fisco recusar as condições pelo fato de empresa não estar mais em recuperação judicial”, afirma o advogado que representa a siderúrgica, Ricardo Amaral Siqueira, sócio do escritório RSSA Advogados.
Especialistas afirmam que, em São Paulo e no Mato Grosso do Sul, a transação tem demorado mais de um ano para aprovação.
Na decisão favorável à siderúrgica, o juiz André Luiz Monteiro, da Comarca de Corumbá (MS), declara: “Em vista da possibilidade de parcelamento ou transação de tributos, prevista no artigo 10-A da Lei nº 10.522/2002 (com redação dada pela Lei nº 14.112/2020), a Fazenda Pública não poderá negar, com fundamento na sentença de encerramento [da recuperação judicial], pedidos já em curso dessa natureza, posto que representaria prejuízo à continuidade das atividades empresariais” (processo nº 0800723-97.2019.8.12.0005).
A transação tributária também começa a ser usada em uma situação rara: a autofalência. Após a avaliação dos ativos da massa falida da Atlantic Veneer Brasil foram identificados R$ 60 milhões bloqueados em uma penhora fiscal. “Conseguimos que o recurso fosse liberado para a massa falida após fechar um acordo com o Fisco e um único credor, uma construtora. Uma dívida fiscal de R$ 73 milhões caiu para R$ 28 milhões pagos à vista”, afirma Eduardo Scarpelini, sócio fundador da EXM Partners, que representa a empresa.
“A legislação prevê que a empresa em falência pode ter 50% de redução dos débitos e demonstramos que, com essa negociação, todos os credores trabalhistas seriam pagos”, diz Scarpelini. Só não houve redução do FGTS, o que é vedado por lei.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LAURA IGNACIO — DE SÃO PAULO