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OS IMPACTOS DO PROJETO DE LEI Nº 3/2024

29 de fevereiro de 2024

É preciso ponderar se os objetivos do projeto realmente têm o potencial de serem atingidos, com a melhora da competitividade do Brasil, ou se, ao contrário, há o risco de piora das métricas brasileiras no comparativo global. 

O Poder Executivo apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) n° 3/2024, que visa alterar a Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE) para permitir que, em caso de falência do devedor, os credores possam eleger um gestor fiduciário, que coordenará a liquidação dos ativos e o pagamento dos créditos, conforme plano aprovado pelos próprios credores.

Diante da urgência constitucional invocada, o projeto de lei deve ser deliberado pela Câmara até 18 de março. É preciso, contudo, ponderar os impactos das alterações propostas, o que parece incompatível com a urgência do PL.

O objetivo do projeto de lei é dar maior celeridade e eficiência ao processo falimentar, mediante a ampliação da participação dos credores e a desburocratização da falência. A preocupação (legítima) parece ser com o longo prazo de duração da falência e o baixo percentual de recuperação dos créditos, o que reduz a competitividade do Brasil por investimentos internacionais.

À primeira vista, o PL parece cumprir com tal finalidade, ao conferir uma alternativa para a alienação dos ativos e o pagamento dos créditos sem maiores burocracias.  Contudo, há pontos controversos e lacunas relevantes em seu texto, que podem aumentar o litígio, reduzir a eficiência do processo e destruir o valor dos ativos.

Dentre os pontos controversos, há a discussão sobre a necessidade e conveniência da figura do gestor fiduciário, havendo quem aponte o risco de potencial conflito na atuação do gestor, de forma que seria mais adequado outorgar poderes ao administrador judicial (que é agente isento, nomeado pelo Juízo) para a realização dos atos. Ainda que superada tal discussão, a pergunta que fica é se os credores terão interesse em indicar ou eleger um gestor, cientes dos riscos atrelados aos atos.

Na prática, contudo, dificilmente eventual gestor eleito será um profissional sem experiência em administração judicial, já que aquele deverá assumir todas as obrigações deste, o que também é objeto de controvérsia.

Sem prejuízo, para evitar litígios, o PL precisa ser complementado em relação ao gestor fiduciário para prever, dentre outros, a qualificação dos candidatos ao cargo e eventuais impedimentos aplicáveis, os legitimados a indicar candidatos e a forma de indicação, os critérios para a remuneração do gestor, as consequências de eventual má-gestão e a possibilidade e o procedimento de substituição do gestor por mera deliberação dos credores.

Outro ponto controverso diz respeito à obrigatoriedade de convocação da assembleia-geral de credores (AGC) para a deliberação sobre a eleição do gestor. Bastaria a intimação dos credores para manifestação nos autos, evitando-se custos e burocracias desnecessárias caso os credores não tenham interesse em nomear um gestor. Havendo interesse de credores representando certo percentual do passivo, a AGC ficaria justificada. Havendo maioria em torno de um nome específico, sequer seria necessária a AGC.

Em relação ao plano da falência, é salutar sua incorporação à LFRE, embora a lei já possua mecanismos que permitam resultados equivalentes. No entanto, também nesse particular o PL merece aprimoramentos, em especial quanto à forma de aprovação do plano pela AGC. Isso porque, para fins de votação em AGC, o PL prevê que os credores serão divididos em classes, de acordo com a ordem legal de prioridade de pagamentos, o que inclui o Fisco. O projeto prevê, ainda, que o plano deverá ser aprovado por todas as classes, com o voto favorável da maioria simples dos credores (voto por cabeça) e de mais da metade do valor dos créditos (voto por crédito).

O Fisco terá, portanto, papel importante na negociação e aprovação do plano, na medida em que tende a ser um credor relevante e que terá o controle de (ao menos) uma das classes. Nesse contexto, é de se indagar se o Fisco concordaria, por exemplo, com estruturas mais sofisticadas e eficientes, como o processo competitivo sem avaliação e/ou com stalking horse, a venda direta ou a conversão da dívida dos credores em capital de sociedade que receberá os ativos da massa falida.

De outro lado, a depender da situação, o Fisco poderá ter direito de veto sobre o plano. Nesse cenário, poderia utilizar tal poder para negociação de formas de pagamento que lhe sejam mais favoráveis, inclusive o uso de certos depósitos em sua posse para pagamento de seus créditos, em prejuízo de credores preferenciais, o que não ocorre atualmente. No pior cenário, na contramão dos objetivos do PL e em retrocesso das conquistas obtidas pela reforma da LFRE, o Fisco poderia exigir métodos tradicionais de liquidação de ativos, como a venda judicial, o que tenderia a reduzir o valor de liquidação dos bens e de recuperação dos créditos.

Em conclusão, o PL parece introduzir mecanismo que serve apenas para algumas poucas falências com ativos relevantes e que envolvam credores financeiros com exposições significativas em moeda estrangeira. Na maioria dos casos, tudo indica que o Fisco terá a prerrogativa de controlar o processo, o que enseja receio de reburocratização da falência, com perda de valor para os envolvidos.

Nesse contexto, é preciso ponderar se os objetivos do PL realmente têm o potencial de serem atingidos, com a melhora da competitividade do Brasil por investimentos internacionais, ou se, ao contrário, há o risco de piora das métricas brasileiras no comparativo global. O que não há é espaço para impactos adversos, sobretudo o aumento da insegurança jurídica e a descredibilização do sistema falimentar.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR JOANA BONTEMPO

 

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