Telefone: (11) 3578-8624

JUSTIÇA RECONHECE NOVA RECUPERAÇÃO JUDICIAL TRANSNACIONAL

16 de fevereiro de 2024

Decisão protege bens e ativos no Brasil de empresa brasileira em reestruturação nos EUA.

A Justiça mineira admitiu a validade no Brasil de um processo de recuperação judicial da trading de café Mercon Coffee Corporation, que corre nos Estados Unidos. A medida protege a empresa, pertencente ao Grupo Mercon, com mais de US$ 500 milhões em dívidas com os credores, de ter bens e ativos executados aqui no país, enquanto o grupo tenta se reerguer da crise.

A decisão é importante porque é apenas a segunda vez que o Judiciário brasileiro reconhece a chamada recuperação judicial transnacional. Nova e incomum, a medida entrou na Lei de Recuperações Falências (nº 11.101, de 2005) apenas em 2021. Além disso, dizem especialistas, ela pode começar a ser usada por empresas que, recentemente, pediram recuperação judicial no exterior, como a Gol, nos Estados Unidos.

Na recuperação judicial transnacional, os juízes de primeira instância ficam habilitados a reconhecer os processos de insolvência estrangeiros e a cooperar com os tribunais de outros países. Antes, a única opção era pedir o reconhecimento de sentença estrangeira aqui no Brasil. Esse pedido tinha de ser feito ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, segundo advogados, uma decisão poderia levar anos. Nesse processo que tramita nos Estados Unidos, o grupo atribui crise financeira a problemas logísticos ocorridos na época da pandemia, a geadas e secas no Brasil, à volatilidade de preços e ao aumento das taxas de juros.

No pedido de reconhecimento da recuperação judicial transnacional, alegou que, em dezembro, algumas empresas do Grupo Mercon, entre elas a Mercon Brasil, com sede em Varginha (MG), ajuizaram pedido de proteção contra cobranças (execuções) no Tribunal de Southern District de Nova York, onde corre o processo de recuperação judicial.

No caso da Mercon Brasil, afirma que ela figura como garantidora de grande parte das dívidas contraídas pelo grupo. Entre elas, há um contrato de empréstimo firmado com o Coöperatieve Rabobank U.A., no valor de US$ 202,5 milhões. O reconhecimento da recuperação judicial do grupo no exterior e a suspensão de execuções de bens e ativos no Brasil seriam importantes para a reestruturação da dívida do grupo.

Ao analisar o caso, o juiz Pedro Parcekian, da 3ª Vara Cível da Comarca de Varginha, reconheceu o processo estrangeiro como o principal, para que eventuais medidas de constrição do patrimônio da Mercon Brasil sejam submetidos ao Tribunal de Southern District de Nova York. Também suspendeu o curso de quaisquer processos de execução ou de medidas individualmente tomadas por credores relativas ao patrimônio do Grupo Mercon no Brasil, especialmente em relação ao patrimônio da Mercon Brasil.

O magistrado concedeu a tutela de urgência (espécie de liminar), uma vez que, “para empresas em situação de recuperação judicial, a constrição de seu patrimônio notadamente se tratar-se de bens essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial, poderá colocar em risco a empresa e sua tentativa de soerguimento.” (processo nº 5017501-52.2023.8.13.0707).

De acordo com os advogados que assessoram a Mercon Brasil no processo, Gledson Campos e Mariana Conrado, do Trench Rossi Watanabe, esse julgamento merece destaque porque é o primeiro que envolve uma empresa brasileira que pediu recuperação judicial no exterior e, agora, pede validação no Brasil, por ter ativos aqui no país que também precisam ficar protegidos.

“Do ponto de vista dos negócios, essa decisão da Mercon no Brasil é absolutamente relevante”, diz Gledson, acrescentando que, dessa maneira, as empresas podem fazer um pedido único de recuperação judicial, no local onde ela é mais importante economicamente, e depois só pedir a validação em outros países.

De acordo com Mariana, uma vez que o país passa a adotar o que já era permitido desde 1997 pela Lei Modelo da Uncitral (United Nations Comission on International Trade Law), por meio da regulamentação da insolvência transnacional, há mais segurança jurídica entre investidores. “Isso é muito importante principalmente para grupos econômicos, que não precisam mais pedir recuperação judicial em cada país onde atuam”, diz.

O primeiro caso de recuperação transnacional admitido no Brasil, que se tem notícias, é de agosto de 2021. A 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro deu decisão a favor da Prosafe – empresa com sede na Noruega que atua na exploração de embarcações marítimas e tem navios operando no Brasil, dois deles em contrato de afretamento com a Petrobras. Na decisão, o juiz Diogo Barros Boechat, em caráter liminar, reconheceu a existência de um processo de recuperação na Justiça de Cingapura, local em que concentra a maior parte dos seus contratos (processo nº 0129945-03.2021.8.19.0001).

Especialista na área de insolvência, Samantha Longo, sócia do Bichara Advogados, afirma que ainda são raríssimos os casos de reconhecimento de processo estrangeiro, mas que isso traz segurança jurídica tanto para investidores estrangeiros quanto para as empresas em situação de crise. “O processo agora segue com essa tranquilidade para o devedor, de que ele está com os bens resguardados. E, qualquer medida que o juiz tome no exterior, pode recorrer ao juiz do Brasil porque existe essa previsão de cooperação”, diz.

Apesar de a decisão suspender a execução de todos os credores contra a Mercon Brasil, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) ainda terá que decidir sobre o tema, segundo os advogados Daniel Kalansky e Felipe Vieira, do Loria e Kalansky Advogados. Existem embargos (recursos) do Santander e Banco ABC que alegam ter créditos que estariam fora da recuperação.

O dilema se dá porque o parágrafo 3º, do artigo 167-M, da Lei de Recuperação Judicial, diz que o reconhecimento de processo estrangeiro principal não afeta os credores que não estejam sujeitos aos processos de recuperação. “A decisão dá a entender que todas as execuções ficariam suspensas, mas a lei é muito clara que não”, diz Kalansky.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ADRIANA AGUIAR — DE SÃO PAULO

 

Receba nossas newsletters