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FAZENDA PREVÊ ARRECADAR R$ 10 BI COM PRECATÓRIOS

7 de dezembro de 2023

Parte da dívida a ser paga vai gerar tributos e ajudar meta de déficit zero no ano que vem.

O Ministério da Fazenda estima que poderá arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em 2024 a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quitar ainda este ano o estoque de aproximadamente R$ 95 bilhões em precatórios, cujo pagamento vem se acumulando desde 2021, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Ao mesmo tempo em que vai saldar a dívida com credores do governo, a Fazenda espera arrecadar Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Esses tributos serão recolhidos sobre os   montantes pagos, explicaram integrantes da área econômica. De um lado, com o respaldo do Judiciário, o governo vai quitar o estoque fora das regras fiscais. Mas, de outro, essa ação  gerará a receita primária, que auxiliará nos planos da equipe econômica de perseguir uma meta de déficit fiscal zero.

Embora o pagamento de precatórios não tenha sido formulado com o objetivo principal de arrecadar esses tributos, trata-se de uma receita considerável, na avaliação da pasta. O montante equivale ao que o governo arrecadaria no período de um ano, se houvesse prosperado a proposta de acabar com a dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP).

A ideia de acabar com o JCP não avançou e a tendência é que seja criada uma nova regra, inspirada no modelo europeu, que limita as deduções. Esse é um debate que será feito em 2024, na reforma do Imposto de Renda, informa-se nos bastidores. No entanto, a Fazenda pretende aprovar ainda este ano um conjunto de regras que limitarão o uso do JCP e vão conter, já no ano que vem, o que a pasta considera uso abusivo do mecanismo.

Ainda que os R$ 10 bilhões da tributação sobre precatórios sejam uma receita extraordinária, ele serão reforço importante para o caixa do governo na busca do déficit zero em 2024.

Na última semana, nove dos dez ministros do STF autorizaram o governo a quitar o estoque de precatórios, contabilizando o gasto fora dos limites de despesa das regras fiscais.

Estabeleceram também uma regra de transição: até 2026, o governo poderá retirar dos limites de despesa e da meta de resultado primário o montante que exceder ao que já está previsto para pagamento nos próximos anos.

Mas a partir de 2027 o STF decidiu que os pagamentos de precatórios serão integralmente computados como despesa primária, dentro dos limites das regras fiscais. A corte não acatou a tese da Fazenda, que pleiteava dividir a contabilização dos precatórios entre gasto primário (principal) e financeiro (juros e encargos). Como mostrou o Valor, essa era uma tese controversa mesmo dentro da área econômica do governo.

Com a decisão do Supremo, a pasta aguarda o Conselho da Justiça Federal (CJF) informar o valor exato dos precatórios devidos a credores. A expectativa é que o documento seja encaminhado na próxima semana. Na sequência, o governo editará medida provisória abrindo o crédito extraordinário para o pagamento. O valor final, dizem membros da pasta, tende a ficar abaixo de R$ 95 bilhões, mas acima de R$ 90 bilhões. Isso porque os precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) ficaram fora da decisão do STF.

A área econômica chegou a discutir a ideia de pagar, logo no início de 2024, os R$ 66 bilhões em precatórios que já estavam previstos para serem pagos ao longo do ano. Ao quitar essa dívida de forma concentrada, seria feita injeção de recursos na economia, o que poderia contribuir para impulsionar a atividade.

Havia outro motivo para esse pagamento concentrado, explicou a fonte: evitar o risco de privilegiar um credor do governo em detrimento de outro. No entanto, essa preocupação foi afastada porque o CJF será capaz de estabelecer uma ordem cronológica dos requerimentos. Assim, o pagamento será feito de forma paulatina, como é hoje.

Apesar de a tese da Fazenda não ter sido acatada na íntegra pelo Supremo, membros da pasta avaliam que a decisão foi positiva e, de alguma maneira, inovadora em relação à retirada do excesso de precatórios das regras fiscais até 2026. Foi desarmada a “bola de neve” de precatórios que se acumulava e teria de ser paga de uma vez em 2027, podendo ultrapassar R$ 200 bilhões.

Em relação a 2027, quando tudo passará a ser computado nos limites, integrantes da pasta avaliam preliminarmente que não há preocupação, já que há uma tendência de queda nos volumes de precatórios a serem pagos nos próximos anos. “Pode até haver uma abertura de  espaço fiscal”, estimou uma fonte da pasta.

O aumento da transparência aos indicadores fiscais decorrente do combate ao acúmulo de precatórios a serem pagos em 2027, que poderia chegar a R$ 200 bilhões, foi destacado pelas economistas Mariana Silva de Freitas e Mayara Santiago da Silva em relatório do Bradesco.

Elas chamam a atenção também para a injeção de recursos na economia, com aumento da renda disponível. Perto de metade do bolo de precatórios se refere a ações envolvendo salários, benefícios sociais ou Previdência. Assim, elas consideram razoável supor que uma parcela dos recursos será direcionada ao consumo das famílias. De forma conservadora, apontam para um impacto de 0,1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro semestre.

A advogada tributarista Luciana Aguiar, sócia fundadora do Alma Law, explica que a arrecadação é expressiva para o governo já que o imposto, tanto para pessoa física (IRPF)  quanto para as empresas (IRPJ), é recolhido diretamente da fonte, no ato do pagamento. “Precatórios normalmente se referem a rendimentos recebidos acumuladamente, aqueles relativos a anos-calendário anteriores ao do recebimento, explicou a tributarista.

Em relação à incidência de IRPJ e CSLL, ela explica que esses impostos são apurados quando da tributação do lucro da empresa, sem prejuízo dos valores retidos na fonte.

Já Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, avalia que, apesar de o montante ser relevante para 2024, é preciso olhar para o longo prazo. “Ainda fica uma preocupação para os anos seguintes, pois os acréscimos de despesas têm sido de caráter permanente, como   aumento do real do salário-mínimo e a ampliação do Bolsa Família, além da volta da vinculação dos gastos de saúde e educação.”

Ela aponta que o pagamento dos R$ 95 bilhões “é uma elevada transferência de renda”, que pode surtir efeitos na atividade econômica. “Ainda que o governo queira contabilizar fora do resultado primário, é cerca de 0,9% do PIB e pode, sim, resultar em algum impulso positivo na atividade no curto prazo.”

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR GUILHERME PIMENTA E LU AIKO OTTA — DE BRASÍLIA

 

 

 

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