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VOTO DE QUALIDADE NO CARF ESTÁ AMEAÇADO

13 de março de 2023

Levantamento mostra que há mais emendas para alterar dispositivo em MP do que para mantê-lo.

A maioria das emendas apresentadas pelos deputados e senadores à MP do Carf indica uma leve tendência pela revogação do voto de qualidade no órgão administrativo recursal do Ministério da Fazenda. Das 69 emendas que tratam da regra, 37 propõem revogar a reinstituição da norma, alterando a medida proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. De outro lado, há 30 emendas que mantêm o voto de qualidade, como deseja a equipe econômica para reduzir o déficit.

A MP do Carf é uma das principais apostas de Haddad para reduzir o déficit fiscal de R$ 228 bilhões previsto para este ano. De acordo com as contas da equipe econômica, a aprovação do texto poderia resultar em um rombo R$ 50 bilhões menor.

O voto de qualidade serve para desempatar julgamentos no Carf, última instância para discutir, na esfera administrativa, cobranças feitas pela Receita Federal. O conselho é um órgão paritário, composto por representantes do Fisco e dos contribuintes (empresas). Até 2020, o presidente das turmas julgadoras – posto ocupado sempre por auditores da Receita – decidia em casos de empate. De 2020 até a edição da MP, passou a valer a regra de que o empate favorecia o contribuinte e extinguia a dívida.

Uma pesquisa do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper avaliou todas as 138 emendas apresentadas pelos parlamentares à MP. Do total, exatamente a metade, 69, trata diretamente ou indiretamente da proposta de reinstituir o voto de qualidade no Carf.

A discussão das emendas dentro do Congresso ainda não começou por um impasse entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O Senado determinou a volta das comissões mistas, formadas por deputados e senadores, para discutir as medidas provisórias e que estavam suspensas desde a pandemia. Lira, contudo, não assinou o ato e quer que as MPs continuem a ser votadas diretamente no plenário da Câmara – o que permite que ele concentre as negociações no relator escolhido por ele.

Enquanto a disputa não é resolvida, Pacheco não envia as MPs para a Câmara debater nem instala as comissões mistas. Lira já avisou que o acordo entre a Fazenda e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não será aceito automaticamente pelo Congresso e precisará ser debatido. O presidente da Câmara foi um dos articuladores do fim do voto de qualidade três anos atrás. O Legislativo tem até junho para votar ou rejeitar a proposta.

Chamou atenção dos pesquisadores do Insper que, entre os deputados que defendem o retorno da regra que pode beneficiar a União, quase que a totalidade propõe um novo modelo. A maioria sugere que, caso o contribuinte seja condenado pelo voto de minerva, ele ficará isento do pagamento de multa e juros, tendo de quitar somente o débito fiscal em litígio.

A tese é a mesma que foi costurada recentemente pela Fazenda com a Ordem dos Advogados do Brasil e levada ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que é relator de uma ação direta de inconstitucionalidade que questiona o retorno do voto de desempate no órgão. Recentemente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se posicionou, no processo, contra o acordo, ao avaliar que uma intervenção do STF nos termos da MP poderia ser precipitada.

Entre as justificativas dos parlamentares contrários ao retorno do voto de qualidade do Carf, os deputados citam três ações no STF, nas quais a maioria do plenário se manifestou no sentido de que o voto de desempate a favor da União seria inconstitucional e que o Contribuinte deveria ser beneficiado. O processo começou a ser julgado na Corte em abril de 2022, mas está suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques.

Além disso, os parlamentares contrários ao retorno da regra também citam o desequilíbrio entre o Fisco e o contribuinte na hora da decisão. Na última segunda-feira, o Valor mostrou que a União saiu vitoriosa em 80% dos créditos tributários julgados com a aplicação do voto de qualidade pelo Carf entre 2017 a 2020, ano em que a regra foi alterada e o contribuinte passou a ser beneficiado pelos empates.

De outro lado, os parlamentares que se manifestaram favoráveis ao texto da Fazenda citam argumentos como prevalência do interesse público, proteção ao erário, a possibilidade de judicialização pelo contribuinte em caso de derrota e risco do aumento do contencioso judicial.

Na avaliação de Maria Raphaela Matthiesen, que conduziu o estudo, o número alto de emendas “mostra que é um tema controverso, que gera fricção”. “O que se nota na análise das justificativas das emendas é a recorrência do fato de o próprio Legislativo ter aprovado, em 2020, a regra de desempate pró-contribuinte”, afirmou. “Isso nos mostra a preocupação dos parlamentares com o respeito ao processo legislativo que levou à sua edição”, completou.

Em relação aos parlamentares que citam o julgamento iniciado no Supremo, a pesquisadora Carla Novo destaca que o processo judicial “caminhava para o reconhecimento da constitucionalidade do mesmo dispositivo que foi agora revogado”.

A pesquisadora também menciona o número de emendas que leva em consideração o acordo firmado entre a Fazenda e a OAB. Líderes do Congresso têm dito publicamente que o acordo é “estranho” ao Legislativo, já que ocorreu entre advogados e a equipe econômica, sem a participação dos deputados. As emendas, segundo os pesquisadores, mostram que há alinhamento.

Por último, o pesquisador Breno Vasconcelos também destaca que muitas justificativas dos parlamentares “tratam também do prestígio ao princípio do in dubio pro contribuinte”, previsto no Código Tributário Nacional. “Isso mostra uma tendência do Parlamento a desconstruir a visão de que quem acessa o Carf é sonegador”, considerou.

Para o deputado Zé Neto (PT-BA), que é da base do governo, mas da diretoria da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), que se posicionou contra a volta do voto de qualidade, os parlamentares começaram a ser municiados de mais informações recentemente, que vão ajudar a embasar um acordo. Entre essas informações está que pouquíssimos casos, apenas cerca de 2%, acabam empatados. “Está evoluindo o debate para esclarecimentos. Acredito que nos próximos dias vamos evoluir para um entendimento”, afirmou.

FONTE: Valor Econômico –  Por Guilherme Pimenta e Raphael Di Cunto — De Brasília

 

 

 

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