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PERSE ÀS EMPRESAS DO SETOR QUE ESTÃO ENQUADRADAS NO SIMPLES NACIONAL

22 de fevereiro de 2023

O setor de eventos foi uma atividade econômica que padeceu durante a pandemia de Covid-19.

Nesse contexto, em 3 de maio de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.148/2022, positivando o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos).

O programa concedeu expressivos benefícios fiscais ao setor de eventos, entre os quais, se destaca aquele disposto no artigo 4º da norma, que concedeu, pelo prazo de 60 meses, a redução da alíquota para zero dos seguintes tributos federais: 1) Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep); 2) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); 3) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e 4) Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).

Observa-se que, nessa hipótese, a alíquota zero “corresponde ao estabelecimento de alíquota nula, resulta em tributo sem nenhuma expressão econômica” [1], isto é, em que pese a incidência do fato gerador do tributo, o quantitativo financeiro será inexistente.

Assim, aos beneficiários dessa lei — pessoas jurídicas de atividade econômica do setor de eventos, nos termos do §1º do artigo 2º desta Lei [2] —, verifica-se que essa norma não limitou os benefícios a determinado modelo empresarial de tributação, tanto que se torna possível a acomodação de tais incentivos fiscais até por pessoas jurídicas sem fins lucrativos.

Conforme dicção do §2º do artigo 2º, da lei, delegou-se ao Ministério da Economia a responsabilidade de publicar os códigos Cnae das atividades empresariais beneficiadas. Dessa maneira, por meio da Portaria ME nº 7163 de 21/06/2021, o Ministério da Economia regulamentou as atividades e estabeleceu os seguintes outros requisitos: a) pessoas jurídicas já exercendo a atividade econômica desde a publicação da Lei n° 14.148, que foi em 3 de maio de 2021; e b) Prévia inscrição regular no Cadastur do Ministério do Turismo [3].

Nada obstante, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa RFB nº 2114, em 31 de outubro de 2022, desenquadrou as pessoas jurídicas tributadas pela sistemática do Simples Nacional como beneficiária da Lei Perse, restrição essa que nem a Lei Perse como a Portaria do ME praticaram.

“Artigo 4º Parágrafo único: O benefício fiscal não se aplica às pessoas jurídicas tributadas pela sistemática do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.”

Dessa forma, verifica-se que o fundamento invocado pela Receita Federal para promover tal restrição normativa, seria a incompatibilidade da conjugação dos benefícios, pela suposta afronta ao artigo 24 da Lei Complementar nº 123/2006.

No entanto, esse supramencionado entendimento não merece prevalecer, à luz dos princípios tributários e de fundamentos que bem observar-se-á doravante.

Primeiramente, verifica-se que a fundamentação da negativa decorre do clássico caso de conflito aparente entre regras jurídicas, cuja solução perpassa a adoção de três critérios que devem ser observados: 1) critério hierárquico; 2) critério cronológico; e 3) critério especial [4].

Quanto ao critério hierárquico, não há que se falar em hierarquia entre lei ordinária e lei complementar, conforme já sedimentado na jurisprudência do STF [5]. Quanto ao critério cronológico, percebe-se que a Lei Perse é também posterior à LC 123/06. Ademais, vale lembrar que esse é o critério que deve ser adotado entre duas normas especiais, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça [6].

Quanto ao último critério, o da especialidade, verifica-se que a Lei Perse foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em decorrência de política pública assistencial. Nessa perspectiva, a motivação de proporcionar tais benefícios fiscais ao setor de eventos decorreu do incomensurável prejuízo que esse setor econômico sofreu em virtude da pandemia da Covid-19.

Inclusive, segundo diversos estudos, aponta-se que “a pandemia da Covid-19 afetou de forma impactante as pequenas empresas” [7].  Além disso, observa-se que as empresas optantes do Simples Nacional são 99% das empresas regularmente constituídas em nosso país [8].

Verifica-se, assim, que a Lei Perse é uma norma jurídica em caráter excecionalíssimo, devendo prevalecer sobre a LC 123/06, motivo pelo qual as limitações não se coadunam com alguns princípios constitucionais que necessitam ser invocados à espécie.

Inicialmente, sabe-se que o princípio da isonomia, previsto no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988, traz uma atuação positiva para o legislador a não realizar diferenciação de tratamento de contribuintes que se encontram na mesma situação [9]. Para que haja ainda determinada discriminação é necessário que seja demonstrado o fundamento legal pelo qual tal distinção é permitida [10].

Também está na contramão do princípio da capacidade contributiva, disposto ao artigo 145, §1º, da Constituição Federal de 1988, o qual tem a previsão expressa que “cada um contribuirá com quanto puder para o bem de todos” [11], isto é, deve ser vista as peculiaridades e características de cada contribuinte. 

Logo, uma vez que as empresas enquadradas no Simples Nacional possuem uma menor capacidade contributiva e, conforme supramencionado, foram as empresas mais afetadas pela pandemia da Covid-19, constata-se que essas deveriam ser as principais beneficiárias da Lei Perse.

Em consequência, há inobservância do princípio da livre concorrência, disposto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal de 1988. Isso se funda, uma vez que as empresas enquadradas no lucro presumido ou no lucro real — que são, como regra, de médio e de grande porte — terão a possibilidade de se recuperarem de forma muito mais facilitada dos efeitos da pandemia da Covid-19, em comparação com de pequeno porte, desestimulando, assim, a atividade empreendedora no país.

Além do exposto, é de suma importância lembrar que a Receita Federal já permitiu a cumulação de benefícios fiscais de empresas enquadradas no Simples Nacional, na ocasião da Lei de nº 13.097/2015, onde os varejistas do Simples Nacional puderam usufruir do benefício de alíquota zero de PIS e de Cofins de bebidas frias, sem a limitação em comento.

Por todos esses fundamentos jurídicos, conclui-se que o Simples Nacional não deveria ser limitação aos benefícios da Lei Perse, conforme já vem se posicionando a jurisprudência no sentido de garantir a aplicabilidade isonômica da Lei Perse também ao Simples Nacional [12].

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Bibliografia

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

BOBBIO, Noberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. téc. Cláudio De Cicco. 6ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1995. 

CASSONE, Vittório. Direito tributário. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

ENES, W. M. Pequenos negócios em tempos de Covid-19: impacto e estratégias de sobrevivência. Revista Engenharia de Interesse Social, [S. l.], v. 7, nº 9, p. 87–109, 2022. Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/reis/article/view/6506. Acesso em: 27 jan. 2023.

SCHOUERI, Luís E. Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022.

SEBRAE, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Onde estão as Micro e Pequenas Empresas no Brasil. In: BEDÊ, Marco Aurélio (Coord). 1ª ed. São Paulo: SEBRAE, 2006.

STF – ARE: 669074 MG, Relator: ministro ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/02/2015, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 09-03-2015 PUBLIC 10-03-2015.

STJ – REsp: 1393724 PR 2013/0222763-2, Relator: ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 28/10/2015, S2 — SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/12/2015.

[1] CASSONE, Vittório. Direito tributário. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 124.

[2] Artigo 2º, §1º: I – realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos; II – hotelaria em geral; III – administração de salas de exibição cinematográfica; e IV – prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.

[3] Requisitos esses que a jurisprudência atual entendeu como proporcional aos benefícios concedidos (TRF4, AG 5027903-04.2022.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 07/10/2022).

[4] BOBBIO, Noberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. téc. Cláudio De Cicco. 6ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1995. p. 92.

[5] STF – ARE: 669074 MG, Relator: ministro ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/02/2015, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 09-03-2015 PUBLIC 10-03-2015.

[6] STJ — REsp: 1393724 PR 2013/0222763-2, Relator: ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 28/10/2015, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/12/2015.

[7] ENES, W. M. Pequenos negócios em tempos de Covid-19: impacto e estratégias de sobrevivência. Revista Engenharia de Interesse Social, [S. l.], v. 7, nº 9, p. 87–109, 2022. Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/reis/article/view/6506. Acesso em: 27 jan. 2023.

[8] SEBRAE, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Onde estão as Micro e Pequenas Empresas no Brasil. In: BEDÊ, Marco Aurélio (Coord). 1ª ed. São Paulo: Sebrae, 2006. p. 3.

[9] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 188.

[10] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro.  24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 64.

[11] SCHOUERI, Luís E. Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. p. 379.

[12] processo: 1032982-62.2022.4.01.3800, TRF 6ª Região, de 05/08/2022 e PROCESSO: 1009912-75.2022.4.06.3800, TRF 6ª Região, de 07/11/2022.

FONTE: Consultor Jurídico – Por Wilson Sahade Filho

 

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