Redução da dívida tributária de empresas pode chegar a 70%, mas governo estima arrecadação de R$ 50 bi.
Governo e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fecharam acordo sobre o voto de qualidade – o desempate por um representante do Fisco nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Ficou acertado que se perder, o contribuinte poderá ficar livre de multas e juros. Teria que arcar só com o valor da autuação.
Advogados especializados na matéria dizem que a dívida pode ser reduzida em até 70% com essas exclusões.
Para o governo, por outro lado, significa menos dinheiro no caixa. A Medida Provisória (MP) nº 1.160, de janeiro, que restabeleceu o voto de qualidade, era uma das apostas do Ministério da Fazenda para contornar o déficit fiscal previsto para este ano.
Com forte pressão de empresas e entidades de classe, porém, não havia certeza de que pararia de pé. Nem no Congresso, nem no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte tem poder de decisão sobre esse tema porque a OAB moveu uma ação tentando derrubar a nova norma.
Ontem, após oficializar o acordo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não deu detalhes de quanto a União perderá ao abrir mão de multas e juros. Ele preferiu fazer a conta ao contrário. Disse que pode haver arrecadação de R$ 50 bilhões com o novo modelo.
“Acho que é possível mirar esse valor”, afirmou, repetindo que a intenção da MP era corrigir distorções no âmbito do Carf.
Além de excluir multas e juros, o acordo firmado entre Ministério da Fazenda e OAB também prevê o uso de precatório, prejuízo fiscal e base negativa de CSLL do próprio contribuinte, de controlada ou controladora ou empresas relacionadas para os pagamentos ao governo.
Com esses recursos, os desembolsos pelos contribuintes ficam ainda menores. Advogados dizem que há casos em que o valor a ser pago pode ficar em torno de 10% do total (considerando, aqui, também a exclusão de multas e juros).
Esse seria o cenário mais vantajoso. Poderia ser aproveitado pelos contribuintes que informarem à Fazenda Nacional, num prazo de até três meses, que querem quitar o débito. Nesse caso, haveria a opção de parcelar o valor em 12 meses.
Quem preferir levar as discussões do Carf para o Judiciário perde o direito à exclusão dos juros. Só a exclusão das multas continuaria valendo.
Esse acordo não tem efeito imediato. Depende da validação do Congresso ou de uma decisão do STF na ação movida pelo Conselho Federal da OAB – ADI 7347.
Já há articulação do grupo nesse sentido. Ontem, o presidente da Ordem dos Advogados, José Alberto Simonetti, e o ministro Fernando Haddad levaram o acordo ao relator da ação, ministro Dias Toffoli.
A OAB apresentou petição, além disso, pedindo a concessão de medida cautelar nos termos no acordo. O Valor apurou que Toffoli foi receptivo e deve publicar decisão, atendendo o pedido, ainda nesta semana.
Há articulação também no Congresso. O acordo será levado aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Além disso, segundo interlocutores, o governo deve apresentar uma emenda à MP.
O voto de qualidade é aplicado quando um julgamento no Carf termina em empate. Por esse critério, o presidente da turma – sempre um conselheiro indicado pelo Fisco nacional – é quem tem o poder de decisão.
Essa sistemática havia sido extinta em abril de 2020 por conta de uma mudança legislativa. A Lei nº 13.988, aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidência da República, passou a prever que em caso de empate o contribuinte teria a vitória.
A reviravolta veio em janeiro, com a publicação da Medida Provisória nº 1.160, e desde então, vem gerando muita confusão e polêmica. Diversos contribuintes recorreram à Justiça par retirar os seus casos da pauta do Carf até que houvesse uma definição em torno da Medida Provisória.
Advogados de contribuintes dizem que os casos mais caros aos contribuintes geralmente terminam em empate e o voto de qualidade aumenta muito as chances de derrota.
A Petrobras foi uma das primeiras empresas a experimentar esse efeito, no começo do mês, quando o Carf iniciou os julgamentos deste ano. A 1ª Turma da Câmara Superior manteve, por voto de qualidade, duas autuações que, originalmente, somam R$ 5,4 bilhões.
“Chegamos a uma situação intermediária, que mantém o voto de qualidade e também dá vantagens aos contribuintes. Deste modo, saímos do impasse”, diz Simonetti, presidente do Conselho Federal da OAB, sobre o acordo com o governo federal.
O advogado Marcus Vinícius Furtado Coelho, que representou a OAB nas negociações, complementa que o Brasil necessita da construção de consensos e de pacificação. “Este é um momento histórico de diálogo institucional de alto nível, preservando os interesses públicos e as garantias dos contribuintes”, diz.
Não há unanimidade entre advogados de contribuintes, no entanto, em relação a esse acordo. Parte dos especialistas não quer a volta do voto de qualidade de jeito nenhum. Afirmam que o Congresso derrubou essa sistemática há pouquíssimo tempo e dizem que uma nova alteração gera insegurança jurídica.
Para esse grupo, além disso, havia chances de o Congresso derrubar a MP que foi publicada pelo governo em abril.
Há uma outra corrente que “tolera” o voto de qualidade. Mas entende que a volta dessa sistemática só deveria ser possível se os contribuintes derrotados pudessem recorrer das decisões à Justiça sem a necessidade de apresentar garantia. Hoje, para discutir uma cobrança chancelada pelo Carf, é preciso depositar valores ou apresentar seguro ou carta-fiança.
Um terceiro grupo, mais moderado, acredita numa solução de meio termo e apoia o acordo capitaneado pelo Conselho Federal da OAB.
FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo e Guilherme Pimenta — De São Paulo e Brasília