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TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA E A REGULARIZAÇÃO DE R$ 200 BI

1 de dezembro de 2022

Com bom senso e respeito à lei, é possível resolver o maior contencioso tributário do mundo.

A transação como hipótese de extinção do crédito tributário estava prevista no Código Tributário Nacional (CTN) desde 1966 e, a despeito de discussões sobre sua eventual eficácia e potencial de regularizar as dívidas ativas, gerando receita para a União, sua implementação pendia da edição de leis e normas que as regulamentasse.

Esse processo só começou a avançar após mais de meio século, em 2019, quando foi editada a Medida Provisória nº 899/2019, convertida na Lei nº 13.988/2020. Em 2020, foi publicada a Portaria ME nº 247, que disciplinava os critérios e procedimentos para transação por adesão relativa a contenciosos de relevante controvérsia jurídica e de pequeno valor. Na sequência, foi publicado edital para transação relativa ao contencioso envolvendo a amortização das despesas de ágio.

Com bom senso e respeito à lei, é possível resolver o maior contencioso tributário do mundo.

Passado um ano, em 2021, surge o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, programa de transação voltado ao setor de eventos, regulando a possibilidade de transação de créditos inscritos em dívida ativa da União, prevendo a concessão de descontos e parcelas calibradas de acordo com a capacidade de pagamento de cada contribuinte.

Já neste ano, foram publicadas as Portarias PGFN nº 6757/2022 e RFB nº 208/2022, agregando maior tração à modalidade de recuperação de créditos pela via da transação, regulamentando as normas relativas aos créditos de competência da PGFN e daqueles ainda em trâmite no contencioso administrativo, de competência da Receita Federal, desta vez de forma ampla, não mais restrita aos contribuintes do setor de eventos.

No turbilhão dessas medidas, a transação representa importante marco por provocar uma mudança na cultura na relação entre Fisco e contribuinte. Quando se trata de matéria tributária, não se pode compreender interesse público apenas como o aumento da arrecadação a qualquer custo, pois asfixiar o contribuinte poderá provocar o resultado inverso ao pretendido.

Isso se concretizou em ambas as portarias, PGFN nº 6757/2022 e RFB nº 208/2022, nas quais há previsão de que um dos objetivos da transação é viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do sujeito passivo, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Os avanços da transação tributária, como forma eficiente de arrecadação, são surpreendentes, revelando que foi subestimada, pois, à época da edição da Medida Provisória nº 899/2019, a exposição de motivos indicava que a projeção conservadora de arrecadação com a transação em 2021 seria de R$ 5,914 bilhões.

Em 2020, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) reportou que foram negociados mais de 800 mil débitos no valor de R$ 81,9 bilhões, envolvendo cerca de 60 mil pessoas físicas e 140 mil pessoas jurídicas. De acordo com o mesmo relatório, atualizado com dados relativos ao ano de 2021, a transação representou arrecadação de nada menos que R$ 200 bilhões, sendo 20% do total da receita.

Salta aos olhos a cifra de R$ 200 bilhões como “valor regularizado por transação tributária”, somente no ano de 2021. Na esfera federal, somadas as transações de 2020 e 2021, os números oficiais montam R$ 300 bilhões.

Para os céticos, há que se rememorar que, historicamente, a PGFN recupera, anualmente, menos de 1% dos créditos inscritos em dívida ativa. Nesse ritmo, seriam consumidos mais de cem anos para recuperar o estoque atual, equivalente a R$ 2,8 trilhões.

Vale lembrar os respectivos valores inscritos em dívida ativa e os valores recuperados a cada ano – cerca de 1%, para que se tenha um parâmetro. Em 2017, o estoque da dívida ativa montava exatos R$ 2 trilhões e o valor recuperado foi de R$ 26,1 bilhões; em 2018, o estoque cresce para R$ 2,19 trilhões com a recuperação de 23,9 bilhões, sendo R$ 11 bilhões em programas oferecendo benefícios fiscais; em 2019, o estoque salta para R$ 2,43 trilhões e o recuperado foi de R$ 24,47 bilhões; em 2020, o estoque montava 2,5 trilhões e o valor recuperado foi o equivalente a R$ 25,7 bilhões.

Com os programas de transação, somente em 2021, a recuperação de créditos da União multiplicou-se dez vezes. Significa que a taxa de recuperação, em um único ano, equivale ao quanto foi recuperado pela PGFN na última década imediatamente anterior à instituição dos programas de transação.

Reforçando que tais programas são um avanço também em favor do Fisco, verifica se que, nos anos em que são instituídos programas de regularização fiscal, como o Pert em 2017, há um incremento superior a 75% nos índices de recuperação de créditos pela PGFN. Nesse programa, a PGFN atendeu mais de 260 mil devedores inscritos em dívida ativa da União, regularizando créditos no valor de R$ 109 bilhões.

Vale recordar que a transação não é privilégio da União. No Estado de São Paulo, a PGE divulgou que, a partir de 2021, realizou mais de 67 mil acordos para cobrança de IPVA e ICMS, que representaram mais de R$ 1 bilhão em créditos regularizados.

Considerando a dificuldade na aprovação de reforma tributária que efetivamente simplifique o sistema tributário tão complexo, é inegável que a transação representa um importante marco da mudança da relação fisco-contribuinte. A regularização de créditos da União via transação mantém o recolhimento de tributos vincendos e, ao mesmo tempo, permite que os contribuintes quitem seu passado sem prejuízo da manutenção de postos de trabalho e da continuidade das atividades das empresas e do ciclo econômico, como um todo.

Os números comprovam a força e a capacidade de que, com bom senso e respeito à lei, é possível resolver o maior contencioso tributário do mundo, evidenciando que não há incompatibilidade entre a confiança do contribuinte e a qualidade da arrecadação.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: Valor Econômico –  Por João Colussi e Marcelo Guimarães Francisco

 

 

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