Está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) matéria referente a incidência de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a taxa Selic na repetição de indébito tributário.
O tema teve a repercussão geral reconhecida no RE 1.063.187/SC (tema 962), no entanto, não tem data definida para julgamento.
Dentre os argumentos pela incidência das exações, o Fisco defende que o constituinte previu um conceito aberto sobre “proventos de qualquer natureza”, tendo o legislador infraconstitucional a competência para delimitá-lo. Alega, ainda, que, muito embora sejam verbas indenizatórias, é preciso diferenciar dano emergente, que visa a restituição do patrimônio anterior do sujeito (reparação de um dano), do lucro cessante – indenização recebida em razão de ganhos que deixaram de ser recebidos pelo credor. Os juros moratórios teriam natureza jurídica de lucros cessantes e, portanto, sujeitos à tributação do IRPJ e CSLL. Esta foi a posição do juízo de 1ª instância.
Fato é que juros compensatórios ou remuneratórios não podem ser confundidos com juros moratórios.
O contribuinte, por outro lado, com base nos artigos 406 e 407, defende que ambos do Código Civil, e artigo 167 do Código Tributário Nacional, os juros moratórios têm a finalidade de cobrir o prejuízo do credor, pela demora do devedor, servindo como “meio de indenização ao credor pelo diferimento do adimplemento da obrigação pelo devedor para época posterior à avençada”. Consignou, também, a diferença entre juros moratórios (com fim de recomposição do patrimônio) e juros compensatórios (visam remunerar capital do credor, indenizando os lucros que deixou de auferir). Seriam os juros compensatórios as verbas com natureza de lucros cessantes. Estes argumentos convenceram a maioria da Corte Especial do TRF da 4ª Região, pelo que reconheceram a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do §1º do artigo 3º da Lei nº 7.713/88, do artigo 17, do Decreto-Lei nº 1.598/77, e artigo 43, inciso II e §1º, do Código Tributário Nacional (CTN).
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por meio de parecer, sustentou que a natureza indenizatória dos juros moratórios não nos permite afirmar genericamente que “indenização” seja um conceito alheio à “significação da renda”, pois, caso assim fosse, essa mesma lógica impediria ” (…) a contabilização do acréscimo patrimonial dos juros de mora no lucro operacional da pessoa jurídica”. E, continua, afirmando que os proventos auferidos pela Selic, desde 01/01/1996, têm o norte de cobrir os lucros cessantes, devendo ser contabilizados como renda.
Nestes termos, a representante do parquet propôs a seguinte tese de repercussão geral: “É constitucional a cobrança de IRPJ e CSLL sobre a Selic paga a título de juros moratórios em decorrência do indébito tributário, tendo em vista o incremento de riqueza nova ao patrimônio do contribuinte.”
Afinal, a taxa Selic (ou juros moratórios) deve, ou não, ser incluída na base de cálculo do IRPJ e da CSLL?
Nos tribunais de hierarquia inferior, não existe jurisprudência uníssona sobre o assunto. De um lado, temos decisão favorável aos contribuintes, no sentido de exclusão dos juros moratórios da base de cálculo dos aludidos tributos (Apelação Cível nº 0007609-28.2012.4.03.6100/SP, 4ª Turma do TRF da 3ª Região, julgado em 23/06/2017); de outro, posição concordando com os argumentos do Fisco (Apelação Cível nº 0009666-90.2014.4.01.3000/AC, 8ª Turma do TRF da 1ª Região, julgado em 03/09/2018).
Fato é que juros compensatórios (ou remuneratórios) não podem ser confundidos com juros moratórios. Basicamente, os juros compensatórios serão devidos como “remuneração” pela utilização do capital pertencente a outrem (v.g. juros aplicados em contrato de financiamento de um veículo); já os juros moratórios surgem do inadimplemento da obrigação, incidindo até o momento em que o devedor entrega a prestação devida ao credor.
O Código Civil, no parágrafo único do artigo 404, é claro ao representar os juros moratórios como indenização pela demora culposa no cumprimento da obrigação pelo devedor. Ali diz: “Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.”
É evidente que os juros moratórios têm como finalidade reparar/recompor o patrimônio do credor, assim como expressa uma maneira de compelir o devedor a adimplir com a prestação avençada. De tal modo, tais valores não deveriam ser considerados para fins de formação da base de cálculo dos tributos em comento.
O STJ tem entendimento consolidado no sentido de afastar a incidência de tributos sobre verbas de cunho indenizatório, tais como: (a) pagamento de férias não gozadas por necessidade de serviço (Súmula 125); (b) pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade de serviço (Súmula 136); (c) pagamento de danos morais (Súmula 498); (d) juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em decisão judicial (REsp 1227133/RS – Repetitivo Tema 470).
Vale ressaltar que a legislação tributária “não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado” visando alargar a regra-matriz de incidência dos tributos (artigo 100 do CTN).
Por estes motivos, podemos concluir que aos valores atinentes os juros moratórios não devem compor a base de cálculo do IRPJ e CSLL, em virtude de serem consideradas verbas de cunho eminentemente indenizatória.
FONTE: Valor Econômico – Por Danilo Alves