A partir de janeiro, essas normas determinam que a entidade deva avaliar e quantificar contingências na esfera dos tributos sobre o lucro.
Quando estávamos nos habituando às regras contábeis que orientam os riscos remoto, possível e provável para contingências, emanadas da Deliberação CVM nº 489/05, que aprovou a NPC nº 22/05, e da Interpretação Técnica Ibracon nº 2/06, eis que a mesma CVM resolve complicar o tema editando a Deliberação nº 804/18, que aprova a Interpretação Técnica ICPC 22, visando inserir as regras do IFRIC nº 23 no ordenamento contábil brasileiro.
A partir de janeiro de 2019, essas normas determinam que a entidade deva avaliar e quantificar contingências na esfera dos tributos sobre o lucro, levando em consideração que é provável que a autoridade fiscal não aceite um tratamento fiscal incerto, donde dever-se-á refletir o efeito da incerteza na determinação do respectivo lucro tributável (prejuízo fiscal), base fiscal, prejuízos fiscais e créditos fiscais não utilizados e alíquotas fiscais do IRPJ e CSLL.
Para tanto, ela deve assumir que a autoridade fiscal examinará os valores dentro de sua esfera de atuação e tenha pleno conhecimento de todas as informações relacionadas ao realizar esses exames.
A partir de janeiro, essas normas determinam que a entidade deva avaliar e quantificar contingências na esfera dos tributos sobre o lucro.
É pressuposto, portanto, que as autoridades fiscais terão grandes chances de examinar o tratamento fiscal incerto e se não for provável que o aceitem, a empresa deverá provisionar, e se o valor for relevante, poderá ter que divulgar, o que chamará a atenção do Fisco para situações de que ele não estava ciente, gerando um processo de fiscalização a partir das divulgações da empresa.
Em muitas situações as empresas estavam cientes do risco quando adotaram a conduta, mas não o avaliaram e quantificaram, por presumir que seria improvável o Fisco examiná-la.
Dentre os indicativos dessa incerteza fiscal pode-se enunciar situações como opiniões contrárias emanadas pelas autoridades fiscais (soluções de consultas, atos declaratórios, pareceres normativos), autuações divulgadas pela imprensa (apesar do “sigilo fiscal”), decisões de DRJ’s ou do Carf e jurisprudência judicial sobre questões idênticas ou similares às posições incertas identificadas pela empresa.
Com menor incidência pode-se incluir opiniões contrárias de advogados tributários que tenham sido consultados para dirimir uma controvérsia sobre a contingência.
Atualmente são alguns temas que suscitam esse exame mais cuidadoso das empresas a amortização do ágio, seja “interno” ou resultante de transferência da empresa “veículo” para coligada com futura incorporação; lucros do exterior, especialmente de países com acordos de bitributação; adições fiscais controversas de preços de transferência; despesas indedutiveis do IR que não o são na CSLL; JSCP retroativos; incorporação de ações e planejamentos fiscais x norma antielisiva do CTN.
Em consequência dessa avaliação pessimista a entidade deverá refletir o efeito da incerteza para cada tratamento fiscal contingente, utilizando um dos seguintes métodos, dependendo daquele que a entidade espera que forneça a melhor previsão da resolução da incerteza: (a) o único valor mais provável em um conjunto de resultados possíveis. O valor mais provável pode fornecer a melhor previsão da resolução da incerteza se os resultados possíveis forem binários ou estiverem concentrados em um valor, ou (b) o valor esperado – a soma de valores de probabilidade ponderada na faixa de resultados possíveis.
O valor esperado pode fornecer a melhor previsão da resolução da incerteza se houver um conjunto de resultados possíveis que não são nem binários nem concentrados em um valor.
No método do valor provável, que é o mais usado geralmente, o resultado de um tratamento fiscal incerto será binário quando existem somente dois resultados: ou uma dedução poderá ser mantida ou recusada integralmente.
A técnica a ser adotada não é uma provisão específica, mas simples acréscimo da provisão de IR/CSLL, que redundará na redução do resultado contábil e dos dividendos distribuíveis.
Embora os atos normativos sejam omissos entende-se que multas deverão ser agregadas ao valor a ser provisionado, conforme conduta usual do fisco federal. E como o IR e a CSLL não são dedutíveis de si próprios não haverá o efeito líquido do ativo diferido.
Em virtude da dinâmica evolutiva das interpretações fiscais, a entidade deve reavaliar o julgamento ou a estimativa requerida por esta interpretação se os fatos e circunstâncias sobre os quais se baseiam o julgamento ou a estimativa mudarem ou como resultado de novas informações que afetam o julgamento ou a estimativa anterior. Por exemplo, a mudança de entendimento das autoridades fiscais ou da jurisprudência em pode mudar as conclusões da entidade sobre a aceitabilidade do tratamento fiscal ou a estimativa do efeito da incerteza, ou ambos.
Há algumas questões a serem levantadas sobre esse ato normativo contábil que podem levar à sua contestação ou desconsideração: a) uma governança responsável da empresa não tem a obrigação de apontar uma suposta contingência com base em mera adivinhação de ocorrer ou não uma fiscalização e que esta venha a detectar um evento e lhe dar uma interpretação negativa: afinal, é princípio constitucional que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, e b) não estão suficientemente claras as consequências pela inobservância dessa nova interpretação contábil, seja para os contadores, auditores ou perante os órgãos reguladores.
Com relação as incertezas dos demais tributos (ICMS, PIS/Cofins, IPI etc.) continuarão a ser tratadas conforme as regras inicialmente citadas para provisões, ativos e passivos contingentes.
FONTE: Valor Econômico – Por Plínio J. Marafon