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A OPERAÇÃO ‘PENTE-FINO’ E SEUS PARADOXOS

21 de fevereiro de 2019

Quanto mais são cortados benefícios pelo INSS, mais são ajuizados processos pedindo o seu restabelecimento.

O recente anúncio pelo governo federal de mais uma operação “pente-fino”, voltada a apurar fraudes na concessão de benefícios previdenciário pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sinaliza que a estratégia de contenção de gastos veio para ficar, podendo ser prorrogada até 2022.

A reiteração da prática e os agudos reflexos que ela traz para o Poder Judiciário e a Previdência podem significar, no entanto, um paradoxo em termos de eficiência e economicidade: quanto mais são cortados benefícios, mais são ajuizados processos pedindo o seu restabelecimento. Além dos reflexos econômicos para o sistema previdenciário que um benefício indevidamente suspenso pode gerar, é provável que, neste ciclo retroalimentado, estejam ficando invisíveis as dificuldades enfrentadas pelos usuários que tentam se adaptar às exigências impostas pelo novo desenho legal, sem nem sempre conseguir.

O mesmo Estado que deve fiscalizar a manutenção das condições do benefício regularmente concedido e a ocorrência de fraudes, evitando o desperdício de recursos gerado pela indefinida postergação de decisões judiciais no tempo, precisa oferecer um processo administrativo satisfatório, que não nos evoque as atuais imagens kafkianas, povoadas por cartas que não chegam, intimações por editais multitudinários, linhas telefônicas congestionadas ou perícias administrativas realizadas em minutos.

Quanto mais são cortados benefícios pelo INSS, mais são ajuizados processos pedindo o seu restabelecimento.

No contexto de restrição orçamentária e debate sobre a reforma da previdência, em 2016, começaram a ser editadas as medidas provisórias instituidoras das operações “pente-fino”. Entretanto, a exposição de motivos dos atos legais, em nenhum momento, os vinculou a uma medição sobre qualidade e resultados, nem tampouco tratou da relação estreita e antiga entre indeferimentos administrativos e litígios.

Diferentemente, as razões da MP nº. 871/2019 identificam uma clara doença, os elevados gastos da União com auxílio-doença, para a qual preveem um inesperado remédio que passa pela associação entre a lógica de “caça às fraudes” e o pagamento de uma gratificação (bônus de desempenho) aos médicos peritos do INSS.

O tripé declarado das operações “pente-fino” compreende, portanto, a economia de recursos através de cortes nos recebimentos, cessações e convocações massivas de segurados e o incentivo a que os peritos façam mais exames do que a sua capacidade normal de trabalho, de modo a receberem por cada um deles o valor de R$ 57,50.

Para além de uma possível discussão sobre desidratação de políticas sociais na fase da sua implementação em detrimento de uma agenda franca e democrática sobre a capacidade do Estado em provê-las, a variável da judicialização foi subestimada no arranjo das operações “pente-fino”.

Entre 2016 e 2017, houve aumento de 20% nos processos judiciais que versam sobre benefícios por incapacidade. Segundo o TCU, o assunto, que já era o mais demandado na Justiça Federal brasileira, atingiu o volume de 450 mil ações, considerando a série que vem desde o ano de 2014.

No quesito eficiência econômica a má notícia é que cada processo judicial tem custo médio de R$ 3.734,00, enquanto a tramitação dos pedidos no próprio INSS consome R$ 894,00, por análise. E mais. O gasto da Justiça Federal com perícias bateu marcas que se aproximam de R$ 200 milhões, precisando ser absorvido às pressas pelo Poder Executivo. Ano a ano tem-se visto o aumento médio de 25% no volume de perícias médicas realizadas.

A inversão de perspectiva pela qual uma política constitucional passa a ser pensada pela ótica da fraude e não da distribuição mantém na sala um elefante de problemas: e quando se alcançar a efetiva redução de ilícitos, os peritos experimentarão uma redução nos valores que já incorporam nos vencimentos há anos? Como se absorverá o aumento exponencial de demandas numa Justiça que possui os gastos constitucionalmente congelados? Qual a equação que traduz eficiência e torna também visíveis usuários e não apenas os números? Qual o valor econômico dos prejuízos a serem suportados pela previdência decorrente de benefícios indevidamente cancelados?

Sobre este imenso desafio teórico e prático estão debruçados diversos agentes públicos, regidos pela coordenação interinstitucional do Centro Nacional de Inteligência, órgão atuante no âmbito do Conselho da Justiça Federal (CJF). No caso específico, há proposição no sentido de que o INSS providencie a intimação da revisão do benefício e de que a atualização do cadastro do segurado se dê no momento em que é realizada a “prova de vida”, assegurando-se uma ciência real e o direito de defesa. Os riscos da suspensão indevida por meio desta simples iniciativa seriam drasticamente reduzidos.

É indispensável, portanto, o amplo recadastramento dos cidadãos e maiores esclarecimentos sobre a iniciativa.

Toda essa dinâmica mostra quão sinuosos são os caminhos que levam a mudanças positivas em políticas complexas como a da previdência brasileira. Se a voz dos usuários encontra baixa penetração pelas vias burocráticas e legislativas, ela pode ecoar de formas ainda mais onerosas sob o ponto de vista econômico e, sobretudo, humano. Precisamos, com urgência, refletir.

FONTE: Valor Econômico – Por Clara Mota Pimenta e Vânila C. A. de Moraes

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