Como já destaquei em outros textos, a OCDE tem trabalhado na construção de relatórios sobre a tributação da economia digital desde, pelo menos, 1998.
Há a expectativa de que em 2020 a organização tenha uma posição concreta quanto à expansão (ou não) do conceito de estabelecimento permanente, para considerar a possibilidade de tributar, no local do mercado consumidor, as receitas das empresas que geram valor fora de sua jurisdição de origem.
Na ausência de uma solução multilateral, diversos países têm criado regras unilaterais, de forma a assegurar, ainda que provisoriamente, a tributação dessa realidade. Nesse contexto, um dos temas de grande destaque tem sido a criação de tributos sobre as receitas oriundas dos serviços de publicidade prestados por redes sociais e plataformas de busca na internet.
Como é sabido, o grande ativo de empresas como Facebook e Google são os dados coletados de seus usuários. De posse dessas informações – que envolvem preferências de consumo, localização geográfica, gênero, profissão – tais plataformas negociam anúncios publicitários precisamente direcionados ao público que o anunciante deseja atingir.
O resultado é um número significativo de receitas advindas desses anúncios: segundo o relatório de 2017 do Interactive Advertising Bureau (IAB), apenas nos Estados Unidos da América, as receitas decorrentes de anúncios on-line somaram US$ 88 bilhões naquele ano – um aumento de 21,4% em relação a 2016.
A vultuosidade dos valores explica o movimento, especialmente europeu, no sentido da tributação dessas receitas. Recentemente, a França anunciou que, diante da ausência de um consenso na União Europeia, irá, a partir deste ano, cobrar tributos sobre as maiores empresas de tecnologia – o chamado “GAFA tax”, em alusão ao Google, Apple, Facebook e Amazon. No fim do ano passado, o Reino Unido declarou que a partir de 2020 irá cobrar um “digital service tax” e o delineamento possível do tributo está em consulta pública no site do governo – o foco específico está em redes sociais, plataformas de busca e marketplaces.
Da perspectiva brasileira, parece-me que nosso sistema tributário já está pronto, ao menos para tributar as receitas provenientes de anúncios publicitários. Com a inserção do item 17.25 na lista de serviços do ISS pela Lei Complementar nº 157, de 2016, os municípios passaram a deter plena competência para tributar a divulgação de publicidade realizada via internet. O desafio, nesse caso, está em identificar a localidade do prestador do serviço: caso a nota fiscal seja emitida pela subsidiária nacional, o ISS será devido por ela; na hipótese de emissão do exterior, tratar-se-á de ISS importação, que deve ser retido pelo tomador do serviço no momento do pagamento respectivo.
Não é demasiado ressaltar que os Estados não detêm competência para tributar essas operações. Não se trata de serviço de comunicação, mas sim mera inserção de imagens, textos e/ou vídeos, para fins publicitários. A pretensão dos Estados de avançar sobre mais esse fato jurídico sob o argumento de que o item foi excluído da lista de serviços em 2003 é descabida e revela má compreensão da distribuição das competências tributárias pelo texto constitucional. O âmbito de incidência do ICMS não é residual em relação ao ISS: ele é delimitado pelas condutas enumeradas na Constituição. O fato de o item ter sido retirado da lista de serviços não confere aos Estados poder para se apropriar de uma realidade que, historicamente, é tributada pelo ISS.
Por fim, como já tratei em outro texto neste espaço, a cobrança do ISS somente poderá ser realizada a partir do exercício de 2017, pois, antes disso, não havia previsão expressa na lista de serviços da Lei Complementar nº 116, de 2003. A tentativa de cobrança retroativa, como se vê no município de São Paulo, por exemplo, afronta a natureza taxativa da lista de serviços, além de ferir a segurança jurídica.
FONTE: Valor Econômico – Por Tathiane Piscitelli