Pressão de gastos do governo e busca por garantia de arrecadação também podem levar a alteração.
A rejeição, pela Câmara dos Deputados, de 34 mudanças feitas pelo Senado na regulamentação da reforma tributária, que haviam contribuído para elevar a alíquota padrão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), não deve ter sido suficiente para garantir que ela fique em 26,5%, apontam especialistas ouvidos pelo Valor. A pressão de gastos dos vários níveis de governo e a busca por garantia de arrecadação também podem resultar em alteração de alíquota no futuro.
As mudanças no texto da reforma tributária feitas na Câmara, após o projeto ter sido aprovado no Senado, vão em linha com a proposta do Executivo, afirma o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.
“Agora é esperar a avaliação do texto pela Presidência da República, que pode vetar algum trecho, e também o cálculo da Fazenda sobre a alíquota de referência. O relator Reginaldo Lopes (PT-MG) fez menção de que queria retomar o teto de 26,5%, mas vale lembrar que, já na Câmara, as exceções implicavam alíquota maior”, diz a tributarista Thais Shingai, sócia do Mannrich e Vasconcelos Advogados.
Quando chegou ao Senado, a projeção para o IVA já estava em 27,97%, segundo cálculo do governo. Com as alterações dos senadores, estimava-se que a alíquota havia subido para 28,55%. Relator do substitutivo, Lopes suprimiu 34 das propostas do Senado – em seus cálculos, o suficiente para reduzir o IVA em 0,7 ponto percentual.
Entre os principais pontos que elevavam o IVA, diz Shingai, está a supressão do trecho que equiparava o saneamento básico a serviços de saúde, fazendo com que o setor tivesse desconto de 60% do IVA. Outras ampliações na lista de exceções, como inclusão de biscoitos e água mineral, e redução da alíquota para locação de equipamentos médicos também foram vetados, o que é positivo, continua.
A supressão da proposta que previa a substituição tributária em operações com bebidas alcoólicas, refrigerantes e produtos do fumo também foi vista como positiva. “Geraria uma complexidade desnecessária, seria muito ruim, porque já tem ‘split payment’ e tributação no destino.”
Em relação às alterações sobre o Imposto Seletivo (IS), a advogada destaca a manutenção das armas fora da relação e, por outro lado, a reinclusão de bebidas açucaradas – o que considera negativo. “É um tema controverso. Alguns países instituíram e não deu certo para fins de saúde. O México, por exemplo, viu cair o consumo de refrigerantes e crescer o de outras bebidas”, diz.
Ana Cláudia Utumi, tributarista e sócia do Utumi Advogados, diz que a questão da externalidade negativa à saúde definida para o Imposto Seletivo é complicada. “A diferença entre o remédio e o veneno é a quantidade e bebidas açucaradas alcançam também sucos que vão nas lancheiras das crianças.”
Nem todas as mudanças feitas pelo Senado no IS, porém, foram retiradas, aponta Utumi. Os deputados mantiveram a parte do texto em que o IS deve ser cobrado apenas sobre extração e não mais sobre exportação de bens minerais. A incidência do imposto qualquer que fosse a destinação dos bens minerais, inclusive exportação, foi a proposta original do governo.
Com menos benefícios, diz Utumi, a alíquota padrão deve ser menor, mas a questão é saber se as alterações foram suficientes.
“Mas há outra questão que impacta essa alíquota padrão, que são as despesas do governo, que não param de crescer. A alíquota final será definida em 2032. Então, por mais que tenham sido feitas mudanças agora e por mais que se queira colocar trava na lei, não dá para a garantir uma alíquota fixa com o crescimento das despesas públicas e com a ideia de que não será reduzida a arrecadação. Não há só o crescimento de despesas em si, mas o fato de que há hoje Estados que não pagam todas as suas contas”, diz Utumi.
O ajuste disso, diz ela, deveria vir de uma revisão de despesas. “Mas essa revisão costuma ser modesta e já estamos vendo o caos que tem sido a alta do dólar nesses últimos dias.” Um ajuste, afirma ela, também poderia vir de revisão de benefícios fiscais. “Mas ao longo dos anos vimos o quão difícil é mexer em benefício fiscal. Revogar benefícios traz um jogo de forças muito complicado.” O caminho mais provável, portanto, diz ela, seria a alteração de alíquota.
Utumi explica que as alíquotas máximas de CBS e do IBS serão definidas por resolução do Senado. Estados e municípios poderão praticar alíquotas de sua parte do IBS abaixo da máxima, mas terão que aplicar o mesmo nível de tributação para todas as atividades. Espera-se, diz ela, que essa regra desestimule governos estaduais e municipais a reduzirem seu IBS.
Já as alíquotas do Imposto Seletivo serão definidas por lei ordinária. No âmbito federal, explica Utumi, a arrecadação do IS e da CBS devem ser equivalentes ao recolhimento dos atuais PIS, Cofins e IPI. Esses três tributos serão extintos com a reforma tributária sobre consumo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELO OSAKABE, MARSÍLEA GOMBATA E MARTA WATANABE — DE SÃO PAULO