Para Câmara Superior, despesas, embora úteis, não são necessárias às atividades das empresas.
A 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu que despesas efetuadas para a realização de festa de confraternização de fim de ano dos funcionários não podem ser deduzidas da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL, na apuração do lucro real. Por maioria, os conselheiros entenderam que tais gastos, embora úteis, não são necessários às atividades das empresas.
A discussão começou quando a Receita Federal autuou a agência VMLY&R Brasil Propaganda por deduzir do IRPJ e da CSLL gastos com festas de confraternização e eventos para funcionários. O fiscal entendeu que esses gastos eram desnecessários e representavam apenas uma liberalidade da empresa.
A decisão reforma acórdão da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção. Na câmara baixa, os julgadores entenderam que, no mundo empresarial moderno, eventos de integração e confraternização são fundamentais para criar um ambiente de trabalho produtivo e manter os talentos na empresa.
“Uma festa de fim de ano torna-se um aspecto essencial na retenção de talentos” — Bernardo Leite
“As pessoas são o patrimônio humano da empresa, que deve ser preservado e, dentro do nosso contexto cultural, é esperado que o administrador assuma despesa com festividades natalinas, visando o bem-estar social. Ademais, a promoção da melhoria do ambiente de trabalho, humanizando o relacionamento empresa e empregados, apenas aparenta ser unicamente graciosa, pois visa, alfim, o benefício da sociedade empresária como um todo. Assim, as despesas com confraternização de fim de ano são necessárias para tal finalidade, sendo dedutíveis da base de cálculo do IRPJ”, diz o acórdão (nº 1201-005.783).
Com esse acórdão favorável ao contribuinte, a Fazenda Nacional interpôs recurso, alegando que a decisão diverge de outras dadas pelo Carf, como a proferida pela 2ª Turma Extraordinária da 1ª Seção em 2022 (acórdão nº 1002-002.485), o que foi acatado.
Em seu voto, a relatora do caso, Maria Carolina Maldonado Mendonça Kraljevic, afirma que “não há nenhuma correlação entre a realização de confraternização e o aumento na lucratividade”. E acrescenta: “Indicam se tratar de uma despesa útil, capaz de contribuir com os fins da empresa, mas não exigida por sua atividade” (acórdão nº 9101-007.134).
Para o tributarista Sérgio Presta, a decisão da Câmara Superior está desalinhada com a realidade empresarial moderna e precisa ser revista. “Práticas modernas de gestão, incluindo eventos e confraternizações, são necessárias para o sucesso empresarial no século XXI. Não faz sentido usar interpretações dos anos 1960 para julgar práticas empresariais de 2024”, diz.
Segundo Presta, a decisão da Câmara Superior fez uma clara distinção entre despesas úteis e necessárias, argumentando que nem toda despesa útil é dedutível. As festas de confraternização, conforme ele, foram considerados atos de liberalidade, não sendo exigidas pela atividade empresarial. “Eventos de confraternização ou ações de marketing para funcionários ou clientes contribuem para criar um ambiente mais produtivo e gerar negócios.”
No entendimento de Bernardo Leite, sócio do ALS Advogados, a decisão se atém a uma interpretação e aplicação mais restrita e conservadora da legislação tributária. Ele considera que, no voto vencedor, o Parecer Normativo CST nº 32/1981, que trata de dedutibilidade de despesas, foi rechaçado, principalmente no que tange à necessidade de análise dos critérios de normalidade e usualidade sob o ponto de vista do mercado. “O que é, ao meu ver, equivocado”, afirma.
O tributarista diz que peca o acórdão no que tange ao critério da “necessidade”. “Apesar de criticar o subjetivismo na análise desse critério, buscando uma suposta análise objetiva, o acórdão acaba sendo fundamentado em argumentos subjetivos. Vale destacar que isso decorre do fato de que a própria redação do artigo 47 da Lei nº 4.506/64, que trata de Imposto de Renda, é falha e aberta a diversas interpretações, sendo impossível ter um alto grau de objetividade em sua interpretação”, afirma.
Para Leite, um ponto positivo da decisão foi a declaração de voto do conselheiro Daniel Ribeiro Silva. Ele afirma que a interpretação e aplicação da legislação tributária devem evoluir para acompanhar a “realidade mercadológica” e a “evolução das relações empresariais”.
O conselheiro acrescenta em seu voto “que a realidade mercadológica e a evolução das relações empresariais e produtivas nos levam à necessidade de evolução na interpretação e aplicação da legislação, especialmente no que se refere a conceitos como usualidade e necessidade que guardam um grande grau de subjetividade, muito embora nós como intérpretes tentamos conferir-lhes contorno mais objetivo possível”.
“Esse é um entendimento do qual comungo, pois não é possível que a legislação evolua no mesmo ritmo que a realidade fática, ainda mais em um mundo cujo avanço tecnológico é cada vez mais rápido”, diz o advogado, que considera relevante oferecer atrativos extras para atrair talentos para seus quadros. “Nesse contexto, uma confraternização de fim de ano torna-se um aspecto essencial na retenção de talentos.”
Com essa decisão, acrescenta, as empresas precisarão reavaliar a classificação de despesas com eventos corporativos. Leite aconselha os contribuintes que estão discutindo o assunto na esfera administrativa a acompanhar as discussões. Para as demais, ele aconselha a “avaliar o eventual custo ou risco tributário, dependendo da decisão a ser tomada, levando em consideração o entendimento da Câmara Superior”.
Ele acredita que a discussão em relação ao conceito de despesa necessária será definida no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “É provável que adotem um conceito intermediário, na linha do que foi adotado no julgamento que envolveu o conceito de insumo para fins de creditamento para PIS e Cofins”, afirma.
A agência VMLY&R foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ADRIANA DAVID – DE SÃO PAULO