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STF VALIDA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE COOPERATIVAS MÉDICAS

25 de outubro de 2024

Placar do julgamento na Corte foi apertado com 6 votos a 5.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que as cooperativas médicas operadoras de plano de saúde podem pedir recuperação judicial. Por um placar apertado, de seis votos a cinco, os ministros consideraram constitucional a legislação que prevê essa possibilidade.

Para especialistas, a decisão foi importante para preservar a viabilidade econômica das cooperativas médicas. Mas, acrescentam, a validação de uma alteração feita pelo Congresso Nacional sem respeito ao devido processo legislativo pode possibilitar a aplicação do mesmo entendimento em outros casos.

Estava em análise o parágrafo 13 do artigo 6º da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101, de 2005), inserido em 2020, pela Lei nº 14.112. O dispositivo afasta a aplicação dos efeitos da recuperação judicial às cooperativas, excepcionando as da área médica.

Na ação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) alegava que o Senado incluiu alteração, na forma de emenda aditiva — e não de redação —, no projeto de lei durante sua tramitação. Segundo o artigo 65, parágrafo único, da Constituição, nesses casos é necessário o retorno do processo à casa iniciadora, para novo turno de votação (ADI 7442).

O dispositivo questionado afirma que “não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do artigo 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do artigo 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica.”

Prevaleceu no julgamento o entendimento do relator, ministro Alexandre de Moraes, que validou a inserção do trecho final, em respeito às deliberações legislativas e para não interferir no funcionamento de outro poder. “Seria uma ingerência muito grande do Supremo entrar na interpretação de minúcias do regimento interno do Senado e da Câmara, quando nem mesmo a Câmara questionou a alteração feita pelo Senado”, disse.

Ele foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, Edson Fachin, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, que proferiu seu voto ontem, na retomada do julgamento. O presidente da Corte propôs a seguinte tese: “A inclusão de novas palavras e expressões em projeto de lei, desde que corrija imprecisões técnicas ou torne o sentido do texto mais claro, não configura emenda aditiva”. A proposta, porém, não foi analisada pelo Plenário.

Do lado oposto, a divergência aberta pelo ministro Flávio Dino recebeu cinco votos, em uma disputa apertada. O ministro apontou que a inclusão do trecho final do artigo pelo Senado foi uma emenda aditiva, o que obrigaria uma rediscussão pela Câmara.

“Não estamos fazendo juízo de mérito se o Senado acertou ou errou, mas deveria ter retornado à casa iniciadora, uma vez que houve alteração substantiva no comando legiferante e uma mudança na lógica da lei”, argumentou. Ele foi seguido por André Mendonça, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

Para advogados, a manutenção da possibilidade de recuperação para as cooperativas médicas foi positiva. Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados, destaca que esse tema vem gerando polêmica desde a derrubada do veto pelo Congresso. Derrubar a previsão, segundo ela, “geraria um problema sério para as  recuperações em andamento das cooperativas e também para aquelas que já foram resolvidas”.

“Os processos que estão em andamento continuam no seu trâmite normal e, eventualmente, algumas cooperativas que poderiam estar em dúvida em razão da insegurança devem ficar mais tranquilas pelo fato de o tema estar agora pacificado”, afirma a advogada.

Uma decisão contrária poderia impactar, por exemplo, três reestruturações da Unimed — a Norte/Nordeste, a de Taubaté e a de Manaus. O processamento de recuperação da Unimed de Taubaté foi autorizado na terça-feira no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão do ministro Marco Buzzi (REsp 2649402).

Yuri Gallinari, sócio do Yuri Gallinari Advogados, defende que as cooperativas atuam, na prática, como qualquer empresa, não havendo razão para que não sejam beneficiadas com a proteção da recuperação judicial. “Tem se tornado popular apontar o que é chamado por muitos de ‘jabuti’ em projetos legislativos. Contudo, para que seja configurada uma emenda aditiva, é necessário que palavras e termos acrescentados não façam apenas correções necessárias para tornar o projeto de lei melhor do ponto de vista técnico”, afirma ele, em relação à discussão sobre o processo legislativo.

Por outro lado, Flávio Molinari, sócio do Collavini Advogados, considera que o reconhecimento da constitucionalidade foi equivocado e vai gerar insegurança jurídica para futuros projetos de lei. “O princípio do bicameralismo e o devido processo legislativo asseguram que quando há uma emenda que altera substancialmente a proposta legislativa vinda de uma das casas, a casa que tem a iniciativa deve revisar novamente o projeto.”

Maiara Henriques Pires, do escritório Machado Associados, também defende que a decisão traz insegurança, “pois cria um precedente no qual se declara a constitucionalidade do artigo, mesmo após emenda que trouxe mudança substancial ao projeto de lei, sem remeter o projeto à casa iniciadora para nova deliberação”.

Além disso, segundo a especialista, a validação estende às cooperativas um direito que, no artigo 1º da própria Lei de Recuperação Judicial e Falências, é reservado às sociedades empresárias.

Já Diego Montenegro, sócio do Pessoa & Pessoa Advogados, destaca que as operadoras de planos de saúde são excluídas do regime de recuperação judicial porque estão submetidas a um regramento específico, coordenado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “Não me parece que o fato de a operadora ser organizada na forma de cooperativa deva justificar a aplicação de regime diverso”, diz.

A exceção instituída pela lei também cria um cenário de injustiça, de acordo com o especialista. “Com a admissão dessa autorização específica para as cooperativas médicas operadoras de plano de saúde, cria-se um cenário em que agentes econômicos atuantes no mesmo mercado sujeitem-se a regramentos distintos, criando, a meu ver, um desequilíbrio indesejado e injustificado.”

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI, VALOR — SÃO PAULO

 

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